Recentemente participei de um
debate sobre o tema “Família: aspectos éticos e jurídicos”. É impressionante
como a questão ética desperta cada vez mais o interesse nas pessoas. Talvez se
esteja percebendo que, por mais que o progresso tecnológico traga benefícios, é
impossível que proporcione a tão almejada qualidade de vida se não vier
acompanhado de igual evolução nas relações humanas.
Quando foi aprovado, em 2002, o
novo Código Civil brasileiro, muito se noticiou que, no âmbito do direito de
família, teria ocorrido grande evolução, com a quebra de “tabus”, e outras
coisas semelhantes. Não sei o que se entende, no caso, por evolução, mas se com
isso se afirma que houve desvalorização do casamento ou enfraquecimento dos laços entre pais e filhos,
a assertiva não é verdadeira. É que a nossa lei contém preceitos que, se fossem
aplicados, ensejaria um verdadeiro resgate da ética na família.
O primeiro artigo do livro que
trata do Direito de Família consagra que o
casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos
e deveres dos cônjuges. Nisso está destacado o caráter perene do
matrimônio. E nesse propósito de se resgatar a ética na família, há que se
investigar em que medida se têm consciência disso quando se dão em casamento.
Certa vez soube de um pai que, todo choroso, dizia à filha, poucos dias antes
da cerimônia: “Filha, deixarei seu quarto tal como está, se não der certo, pode
voltar quando quiser”. Certo orientador familiar, comentando o caso, concluiu:
“Se não der certo? Já não deu! Encarar as agruras do início de uma vida
conjugal com um pé dentro outro fora, é naufrágio certo!”.
Conta-se que Hernán Contes, o
conquistador espanhol, ao desembarcar no México, afunda os seus barcos a
fim de evitar deserções e penetra no continente. Para se estabelecer uma
comunhão plena de vida, penso que o casal deva encarar dessa forma o casamento:
afundando os barcos que os pudessem conduzir à vida de antes. Essa opção exige
verdadeira batalha, no mais das vezes contra os próprios defeitos, mas vale a
pena.
O nosso moderno Código Civil não
pára aí. Em seu artigo 1.566, estabelece que são deveres de ambos os cônjuges a
fidelidade recíproca. Quando se fala de fidelidade gosto muito de lembrar de um
sábio que construía um trocadilho: “felicidade, fidelidade, fidelidade,
felicidade...”. E o fazia propositadamente, dada a estreita vinculação que uma
tem com outra, além das semelhanças fonéticas.
A felicidade depende da
fidelidade aos compromissos assumidos, e isso em todos os âmbitos das relações
humanas. Muitas pessoas, em certa fase da vida, sentem-se frustrados
profissionalmente porque não foram fiéis aos compromissos assumidos. E isso se
dá em maior intensidade nas relações conjugais. Aquela promessa de que seria na
alegria e na tristeza, na saúde e na doença, deve se traduzir em atos concretos
coerentes com o compromisso todos os dias. Isso implica em interromper um pouco
o trabalho, se isso for possível, para falar com o outro, em saber se está tudo
bem, em esforçar-se por fazer boa cara à noite quando a família se reúne, por
mais estressante que se tenha sido o dia, enfim, esquecer-se de si e ocupar-se
do outro.
E o Código Civil continua com o
rol de deveres: vida em comum no
domicílio conjugal. Um amigo meu, comentando essa norma, certa vez conclui,
meio brincando meio a sério: “é ilegal que as pessoas de uma família jantem
diante da TV e ali fiquem até a hora de dormir, sem ter ao menos alguns minutos
de conversa livres dessa intrusa que afoga o relacionamento entre as pessoas”.
E mais: mútua assistência; respeito e consideração
mútuos. Mútua assistência não é apenas ir visitar no hospital quando o
outro estiver doente. É ouvir, conhecer os problemas, anseios, frustrações e
encará-los como próprios, pois somente assim a ajuda pode ser sincera e eficaz.
Respeito e consideração que se traduzam em trato afável, sobretudo diante dos
filhos.
O Código fala ainda em sustento,
guarda e educação dos filhos. Quanto a isso, podemos voltar a falar em outra oportunidade.
Porém, se os filhos crescerem num ambiente em que os pais se portam de acordo
com os demais deveres, por certo que estarão muito bem amparados e educados.
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