quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Histórias de Natal

Ouvi certa vez que o Natal é um acontecimento alegre para as crianças. Para os adultos, porém, somente aumenta a tristeza por fazê-los lembrar dos tempos felizes da infância.
Indagando o motivo disso, vem-me à memória a célebre frase de Caetano Veloso, em sua composição Sampa: “É que Narciso acha feio o que não é espelho”. Talvez seja isso o que acontece. As crianças observam o presépio e vêem ali refletido claramente o que se passa em seu interior; os adultos, porém, não mais se espelham naquele acontecimento que, com o passar dos anos, a eles se tornou incompreensível. Com efeito, a cena reflete simplicidade, solidariedade, paz, anseio de vida, tudo facilmente encontradiço nas crianças; quase tudo, ao contrário, muito ofuscado nos homens e mulheres que deixaram de ser como as crianças.
Simplicidade. Aquela gruta é magnificamente simples, falta-lhe tudo, mas, se considerarmos bem, há uma alegria tão intensa que se pode pensar que não falta nada.
Soube de uma criança de família rica que ganhou um presente sofisticado e caro. Dias após, brincando sem muito interesse numa praça, travou logo amizade com outro garotinho, que trazia um caixote de madeira. Com pouco tempo de convívio e sem muita negociação, não hesitaram em trocar em definitivo os presentes. O “negócio desvantajoso” causou verdadeira comoção familiar: “que absurdo, trocar o brinquedo importado por um caixote de madeira!”.  Mas as crianças não pensam assim. São simples e exatamente por isso a simplicidade eloqüente do presépio não lhes choca, ao contrário, alegram-se com isso.
Solidariedade. Os personagens que contemplamos são solícitos uns com os outros. O esposo ocupa-se da esposa e ela, dele e do menino que nasceu em um estábulo, junto com os animais, e desse desvelo de uns para com os outros brota um ambiente de terna serenidade.
Conta-se que a madre Tereza de Calcutá, uma eterna criança, uma vez foi observada por uma pessoa (um adulto, por certo), que contemplou o beijo e afago que fazia em um doente de aspecto repugnante, diante do que esse homem comentou que “nem por todo dinheiro do mundo faria isso”, ao que a bondosa religiosa respondeu: “nem eu”. Por dinheiro, tampouco ela o faria.
As crianças vêem no presépio três personagens extremamente solidários uns com os outros, e se alegram porque isso reflete o que elas são. Os que deixaram de ser crianças, porém, imersos em seu egoísmo, em um afã desordenado de riqueza, de “status”, de fama, de poder, não conseguem enxergar isso.
Paz. As crianças não se preocupam se haverá peru, se o vinho será suficiente, se a cunhada chegará direto para a ceia e não ajudará na preparação... Nada disso lhe preocupa. Ao contrário, é Natal. Talvez se preocupem um pouco em como quebrar as castanhas, mas não hesitarão em deixar as cascas atrás da porta, agora usada como quebra-nozes.
Anseio de vida. O menino que se contempla no presépio nasceu para viver, elas, as crianças, também. Não se sabe se por uns instantes, ou por cem anos; não importa, todos vêm com uma missão, e querem alcançá-la.
A propósito, gostaria de aproveitar o ensejo para tecer elogios rasgados à decisão da minha cara colega, Dra. Luciene Pontirolli Branco, que, em decisão corajosa, indeferiu o aborto de hidrocéfalo. Porém, não o faço mais longamente porque a Lei Orgânica da Magistratura me proíbe.
Mas lembremos do anseio de vida que as crianças trazem em si. Há os que avançam nos anos e continuam sendo crianças, esses não são velhos. Há os outros, porém, que com muitos ou poucos anos de vida estão velhos, carcomidos pela cultura da morte. Esses, se olhassem para o ventre da mãe que está no presépio e soubessem que o menino viveria apenas 33 anos e que morreria de forma brutal, talvez a ela sugerissem: “não valerá a pena viver apenas esse tempo para depois ainda morrer numa cruz, vamos interromper de forma humanitária a gravidez e poupar a ambos de todo esse sofrimento”. São os mesmos velhos que agora sustentam que, por estar uma criança destinada a viver alguns minutos ou dias, a gravidez é inviável.
As crianças não pensam assim. Muito mais sábias, elas dão aos minutos sabor de eternidade. Sabem que o que vale é o minuto presente, sem se importarem com o anterior, que já passou, nem com o seguinte, que não sabemos se chegará para qualquer um de nós.


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