domingo, 4 de dezembro de 2005

Que médicos queremos?

Tenho observado um certo tom de alarde entre muitos médicos amigos e conhecidos ante a possibilidade de virem as ser processados pelo chamado erro médico. Isso propõe-nos, num primeiro momento, a indagação: em que situações o médico pode vir a ser condenado por um dano à saúde do paciente?
Analisarei a questão pelo aspecto civil, deixando as questões criminais de lado por serem muito menos freqüentes e, além disso, não é minha especialidade.
Dispõe o artigo 186 do Código Civil que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. A norma é geral, isso é, aplicável a qualquer ato ilícito. Quanto ao médico, porém, podemos extrair delas os seguintes requisitos para que se caracterize um ato ilícito e disso decorra o dever de indenizar: (1) que intencionalmente ou por imperícia utilize um procedimento não recomendado ou não adequado pela ciência médica no estágio do conhecimento quando a conduta for praticada; (2) que haja um dano à saúde ou à vida do paciente; (3) que esse dano decorra diretamente da utilização do procedimento inadequado ou não mais recomendável pela ciência médica.
Assim, para que se conclua que ocorreu erro médico, é necessário, no mais das vezes, que o juiz se valha de um perito, necessariamente outro médico, com conhecimento da matéria tratada no caso, e que afirme que o procedimento utilizado foi incorreto ou não era o adequado para a situação e, além disso, que isso foi a causa da lesão à saúde ou à vida. Mais que isso, deve restar esclarecido se, acaso fosse aplicado o procedimento tido como correto, o dano não teria verificado. Isso porque, ressalto, a responsabilidade do médico depende sempre de que se comprove a sua culpa, inclusive por força do disposto no artigo 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor.
Mas penso que colocar a questão jurídica nos devidos termos ainda não resolve o problema como um todo. Mais que isso, temos de nos indagar: que tipo de médico queremos?
Na versão original do Juramento de Hipócrates (e digo original para se contrapor às resumidas utilizadas nas solenidades de formatura pelas Faculdades de Medicina) já nos fornece importantes subsídios para a resposta: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém”.
O bem do outro, mais que o temor da punição é o que deve nortear a conduta de toda pessoa e, muito especialmente, daqueles que, por ofício, zelam pela vida do semelhante. Penso que o bem do doente seja ouvi-lo, sem pressa, com a devida atenção, esforçando-se por compreender o problema em toda a sua dimensão. É também aprimorar constantemente os conhecimentos, colocando os avanços da ciência a serviço daquelas vidas que constantemente ficam em suas mãos.
É nefasto aos médicos e à sociedade um certo clima de “terrorismo” que traz subliminarmente uma mensagem do tipo “trabalhe direito ou vou te processar”. Ora, já se disse com sabedoria que o temor é a imperfeição do amor. E quando se trabalha por medo, o prontuário médico passa a ser mais importante que o paciente, afinal, pode-se pensar que “é melhor deixar tudo registrado para se resguardar de eventual processo...”.
Defendo a idéia de que o médico, por ser o guardião da vida das pessoas, não pode estar a todo tempo à mercê de ações aventureiras que lhe roubam o precioso tempo e a paz imprescindíveis para o exercício de seu ofício. Aliás, as profissões que têm por fim a defesa da vida, como ocorre também, em uma linha diferente, com o policial, por exemplo, devem contar com especial reconhecimento e respeito de todos.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens – conclui o juramento. As palavras são sábias, especialmente porque colocam numa relação de causa e efeito fidelidade e felicidade. De fato, quem é fiel aos compromissos assumidos, em especial o de exercer o seu trabalho para o bem do próximo, ainda que encontre muitas dificuldades e contrariedades, será feliz, alcançando a paz, a serenidade e a estima dos demais.

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