terça-feira, 24 de janeiro de 2006

A “legalização” do aborto

Na semana passada, abordamos a questão da tutela da vida humana no nosso ordenamento jurídico, em especial, o momento a partir de quando há, para o direito, um novo ser. Naquela ocasião concluímos que a vida está assegurada desde a concepção. E diante daquela conclusão, a indagação que nos resta é: como então “legalizar” o aborto se a vida é assegurada desde a concepção?
Antes de esboçarmos uma conclusão, é necessário entender a diferença essencial que há entre ser lícita (legal) uma conduta e, ao mesmo tempo, ser ou não ser crime essa mesma conduta. Isso porque nem tudo o que não é crime é lícito, correto. Por exemplo, se alguém compra um bem qualquer e se compromete a fazer o pagamento em prestações, mas, posteriormente, decida não mais pagá-las, comete algum crime? A resposta é não, pois o Código Penal e nem outra lei qualquer não define isso como crime. Pode-se então concluir que está correto deixar de cumprir os compromissos a que nos obrigamos, pois não acontecerá nada? Também não. Não é crime, mas nem por isso deixa de ser ilícita a conduta. Nesse caso, o devedor poderá perder o bem que comprou, poderá ter seus bens penhorados, o vendedor, em tese, poderá incluir o seu nome nos cadastros do SCPC, dentre outras conseqüências.
Outro exemplo. O Código Penal, no Título II da sua Parte Especial, trata dos crimes contra o patrimônio, dentre eles está o furto e o estelionato. No artigo 181, porém, o mesmo código dispõe que não podem ser punidos por esses crimes se forem cometidos pelo descendente contra o ascendente. Isso equivale a dizer que se o filho furtar um bem do pai, ou cometer estelionato contra ele, não poderá ser punido por isso. Nesse caso, alguém ousaria dizer que é lícito ao filho furtar um objeto do pai? Claro que não. E se subtrair o veículo do pai, esse não poderá fazer nada? Claro que sim, poderá solicitar judicialmente a busca e apreensão do veículo, o que, por certo, seria deferido prontamente.
Esses dois exemplos ilustram claramente, mesmo aos não versados em direito, que nem tudo que não é crime é lícito, correto. E quanto ao aborto, o que sucede?
Atualmente, a conduta é definida como crime nos artigos 124 a 127 do Código Penal, o que equivale a dizer que, quem o pratica está sujeito a uma pena, de uma forma mais singela, poderá ir para a cadeia se o praticar.
Assim, quanto se fala em legalizar o aborto, na verdade o que se pretende é descriminalizar, vale dizer, que deixe de ser crime. Tanto assim o é que o Projeto de Lei 1.135/91, que tramita no Congresso Nacional, em seu artigo 2º, limita-se a revogar o artigo 124 do Código Penal.
Penso que a aprovação desse projeto, porém, consistirá num flagrante atentado à vida humana. Isso porque, embora o aborto não será nunca uma conduta lícita em nosso ordenamento, pois, como já afirmamos, a vida merece proteção legal desde a concepção, na prática, o nascituro ficará totalmente sem meios de defesa de seu direito à vida.
O comerciante que não recebe aquilo a que tem direito, pode contratar um advogado e, com isso, obter a satisfação de seu crédito. O pai que for vítima de furto praticado pelo filho também tem meios de haver o seu bem de volta. Mas se o aborto deixar de ser crime, alguém espera que o embrião, saia do ventre daquela que o deveria proteger e contrate um advogado para que defenda o seu direito de viver?
Precisamos de um mundo mais humano, em que a mulher seja tratada com respeito, em que lhe seja assegurada a dignidade em todos os aspectos, que seja amparada na gravidez desejada ou indesejada, enfim, que não lhe atormente a angústia de estar só no momento em que trará um novo ser ao mundo. Afinal, estimulá-la a matar o filho que traz no ventre porque não o desejava é o mesmo que instá-la a matar um já nascido porque lhe traz incômodos.
De fato, a segunda situação parece mais grave. Mas a maior gravidade que pintamos decorre de que, na criança nascida, vemos claramente uma nova vida, que ri, que chora, que pulsa... Mas aos que se rendem a esses hipócritas argumentos de que “o que os olhos não vêem, o coração não sentem”, convido-os a observar uma criança numa sessão de ultra-sonografia. E então verão um ser que se mexe, um coração pulsa, enfim, um ser humano que, acima de tudo, traz um irreprimível anseio de vida.


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