segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Feliz ano novo

No fim do ano que passou, aventurei-me a conversar um pouco com o Sr. Cândido. Já fazia um ano que não falava com ele, acho que a última vez foi no final do ano passado. Já de idade avançada, ele é o menos procurado nas rodas de bate-papo que se formam na ceia de Reveillon, talvez porque o desenrolar das idéias em sua mente seja lento, de modo que suas histórias, muitas repetitivas, saem pausadas, totalmente incompatíveis com o ritmo da comunicação na era da informática. Mas dessa vez ele estava mais filosófico e menos prosaico que de costume. E penso que suas palavras merecem ser refletidas, de modo que tentarei ser o mais fiel possível ao que dele ouvi informalmente e sem maiores preocupações.
“Feliz ano novo” – começou ele, “há anos que ouço isso, mas agora me ponho a pensar no comprimento dessa frase. De algumas pessoas, sabemos que é bem curtinha, é formada na boca de quem a diz e chega aos nossos ouvidos sem muita força, tal como se ouve bom dia sem o menor desejo de que nosso dia seja bom de verdade”.
“Outros, tentam elaborar a frase um pouco melhor, do tipo: feliz ano novo, Sr. Cândido, muita paz, muita saúde, o importante é ter saúde, o resto a gente dá um jeito. E fico a pensar” – prosseguiu ele – “o que essa pessoa diria para um doente num hospital, pior, um daqueles que têm uma doença grave e incurável? Se o importante é ter saúde, esse pobre coitado sequer um feliz ano novo não poderia lhe ser desejado”.
O Sr. Cândido estava de verdade diferente dessa vez, mais emocionado, mas não tristonho, nem pessimista. Agora que ganhou muito mais minha atenção que com as velhas histórias, continuou dono da conversa: “nesses dias, as pessoas se aventuram a querer dar o que não têm. Desejam felicidade, mas elas mesmas não sabem onde encontrá-la; desejam paz, mas muitos duvidam que ela exista; e para piorar, pensam que a felicidade sem saúde é impossível. Que visão curta de felicidade!”
“Sabe, filho, depois desses anos todos eu aprendi que todo mundo deseja felicidade com grandes foguetórios no final do ano para abafar uma voz interior que os acusa de não a ter encontrado novamente nesse ano que se finda... No ano novo, talvez... Dizem como que para tapar a boca daquela voz que insinua dizer novamente: está no caminho errado”.
Será que ele descobriu alguma receita mágica? E pus-me a pensar, agora que o Sr. Cândido parece ter posto toda a sua experiência em dar lições de vida. “Cuide das pequenas coisas” – começou ele agora a dar conselhos. “As pessoas ficam colocando a felicidade em imaginações muito distantes e se esquecem que ela está em coisas pequenas, como apreciar a beleza de um pôr-do-sol, em divertir-se com uma criança, em visitar um amigo com quem há tempos não se fala, em fazer o trabalho com alegria, esforçando-se por servir as pessoas que dele dependem”.
“Não é a saúde o que importa. Conheço muitos moços de muito boa saúde e que a desperdiçam se embriagando nesses dias, deixando como legado para o ano novo uma ressaca e um vazio interior maior que o do ano que se passou. Ao contrário, sei de outras tantas com graves problemas de saúde, muito debilitadas, mas que levam para o ano novo uma grande bagagem formada por muitos sorrisos, palavras doces e de conforto, enfim, de minutos bem vividos e bem aproveitados.
“Nem sei por que me ocorreu pensar nessas coisas” – fez ele agora uma pausa, à moda de suas antigas histórias. “Na verdade eu sei. É que um amigo meu me convidou para que o acompanhasse em uma entrega de um presente que faria a um amigo dele. Era um daqueles pais de família feliz. A casa era modesta, simples mesmo, mas o ambiente muito aconchegante. Os filhos iam e vinham, fazendo suas travessuras saudáveis, sob o olhar de terna repreensão do pai. Ali não se encheriam a cara de bebida e de comida na ceia. Comemorariam a data, é claro, mas com sobriedade, todos ajudando na preparação, e, depois do jantar, todos participando do serviço de arrumação e limpeza. Foi o feliz ano novo mais comprido que recebi. Aquele homem bom não me disse nada, apenas deu-me um afetuoso aperto de mão enquanto que, sem palavras, eu lia estampado nos seus olhos: essa felicidade está ao alcance de todos, ao menos dos que tentam ser mansos e humildes de coração”.

Do coração, um feliz ano novo a todos!

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