Semanas atrás manifestei nesta coluna certa perplexidade com o Projeto de
Lei n. 2.654/2003, que tramita no Congresso Nacional, com o que se pretende
proibir qualquer forma de punição corporal a crianças e adolescentes. Como
disse naquela oportunidade, o assunto merece ser melhor refletido.
Penso que as “palmadas” nas crianças não são mesmo um recurso educativo a
ser utilizado a todo momento. Mais ainda, conheço vários pais que conseguiram
educar muito bem sem jamais ter sequer levantado a mão contra os filhos. Aliás,
se analisarmos bem, muitas das vezes que se bate numa criança, faz-se porque o
pai ou a mãe estão nervosos com outro assunto que os afligem e a travessura foi
apenas o estopim. Outras vezes, quase sempre, bate-se porque não se tem
paciência para explicar o porquê de não poder ela fazer algo, dando os motivos
pelos quais sua conduta não é adequada e, sobretudo, expondo as boas razões
para se proceder corretamente.
O problema de leis radicais como essa são as más interpretações que podem
causar. Estou certo de que, tão-logo aprovada, não tardará em surgir nas
escolas e nas famílias uma falsa concepção do tipo: não se pode fazer nada com
o garoto que não obedece, pois do contrário pode ser “processado”. Ou, pior
ainda, as próprias crianças poderão incorporar o falso conceito e se levantarem
contra os educadores, pais e professores, numa arredia desobediência a qualquer
tipo de ordem com o petulante argumento: “não pode fazer nada comigo, sou
menor”.
Não há educação sem limites. Já relatei a história de um garoto que, durante uma viagem com os
colegas de escola para um acampamento, se queixava com o professor de que seus
pais não lhe davam liberdade, que dependia da autorização deles para quase
tudo. Esse bom professor deu ao aluno uma brilhante lição, que merece ser
contada novamente:
“Seus pais não
permitem que você faça tudo o que quer porque o amam. Veja esse pequeno riacho,
em sua nascente, uma margem é bem próxima da outra. É o que ocorre com uma
criança pequena, de tudo dependem dos pais. O riacho, conforme vai avançando,
as suas margens vão ficando cada vez mais distantes, até que deságüe no mar,
onde não há mais margens. Assim deveriam os pais fazer com os filhos. A
autoridade dos pais é a margem dos rios que permite que cheguem ao destino.
Quanto maior o rio, mais distantes as margens, quanto maior e mais responsável
o filho, maior pode ser a sua autonomia. E veja, que bom que é a margem,
imagine o que seria do rio sem ela? Veja aquela parte do rio em que a margem é
menos resistente, parte da água caiu para fora e apodrece à beira do rio, não
chegará ao mar. Assim acontece com os filhos que possuem pais fracos, que não
desempenham a obrigação de exercer a autoridade: deixam seus filhos perdidos
nas ribanceiras do mundo, não chegam ao mar".
Soube também do drama de uma adolescente que talvez
ilustre o desastre que é a educação sem limites. Trata-se de uma jovem de quatorze
anos que estava deprimida e resolveu fazer um tratamento psicológico. Depois de
algumas sessões, ela acabou por deixar de escapar algo, aparentemente sem
importância, mas que revelava a causa de sua “depressão”.
Disse ela: “quando as minhas amigas me convidam para
algum passeio que eu não quero, gosto muito de dizer que meus pais não
deixaram. É a desculpa que mais me agrada”. “Você sabe por que isso lhe
agrada?”, perguntou o psicólogo. “Na verdade não sei”, prosseguiu ela, “os pais
de minhas amigas sempre as proíbem de fazer algo que elas verdadeiramente
gostariam, mas eles também conversam com elas, fazem programas juntos, penso
que elas ganham um beijo dos pais antes de irem dormir...”. Ela não contém as
lágrimas que escorrem, e depois conclui: “meus pais me deixam fazer tudo o que
eu quero porque não gostam de mim. Fazem isso para que eu não os incomode, então
eu costumo dizer a minhas amigas que me proíbem de fazer alguma coisa para que
não percebam que meus pais não me amam”.
Comprometedor esse relato, não? É hora, pois, de
levá-lo mais a sério.
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