quarta-feira, 26 de abril de 2006

Matem os ratos!

Um dia desses apareceu um rato em casa. Nem é necessário descrever a cena, pois todos podem imaginar a confusão que foi. Por que será que as mulheres têm tanto pavor daquele bichinho? Para dizer a verdade, também não fico nada à vontade diante deles. Peguei um rodo e saí à caça, por puro amor próprio, ou melhor, para que não digam de mim que tenho medo de rato. Porém, no fundo, torcia para que ele já tivesse ido embora, pois não estava nada disposto a ter de enfrentar aquele pequeno invasor.
Passada a noite mal dormida, chamei uma empresa especializada. Conversando com o profissional, ele me disse que não era só a minha casa que teve o azar de receber tão indesejada visita. Explicou-me ele que, com as chuvas mais intensas, eles saem dos esgotos inundados em busca de comida e, como é inevitável, acabam por entrar nas casas.
Passados alguns dias, o “trauma” do rato já passou. Porém, pude notar que outras visitas muito mais indesejáveis andavam por invadir as casas em nossa cidade. Os jornais, diariamente, trazem notícias de roubos cometidos em residências, quase todos da mesma forma: abordam o morador que está entrando ou saindo de casa, entram armados, rendem as vítimas e depois começam a revirar tudo. No fim, com o carro do próprio morador, saem carregados de eletrodomésticos, jóias, dinheiro etc.
Conversando com um delegado de polícia sobre esse assunto, ainda que não me tenha apontado a causa desse novo surto de roubos a residências, forneceu-me ele alguns dados interessantes de serem pensados. Depois de muito tempo trabalhando em plantões policiais, notou que nos dias de calor intenso há um índice muito maior de roubos. É que - explicou ele –, nesses dias, os bandidos que moram em favelas não conseguem dormir, pois essas habitações são muito quentes, quando então saem para beber, consumir droga e ... roubar. Nos dias frios, ao contrário, cada um se vira lá como pode, enrolando-se num jornal ou num cobertor velho, acabam por ficar nas suas habitações, já que não são bons dias para o “ofício noturno”.
Não pretendo concluir que a pobreza e a miséria sejam as causas exclusivas da violência. Aliás, tenho muito claras na memória as lições do saudoso professor de Direito Penal da faculdade. Dizia ele que não se pode dizer que o criminoso comete crimes porque é pobre ou porque mora em favelas. Dizer isso é ser injusto com os pobres, pois esses, em sua maioria, levam uma vida dura, com muito trabalho e muita miséria, mas nem por isso, enveredam para o crime, ao contrário, levam uma vida muito mais honrada e honesta que muitos que vivem abastados em bairros nobres da cidade. E penso que a observação do querido mestre seja oportuna mesmo.
Por outro lado, no entanto, não se pode negar que a miséria, a fome, a falta de trabalho e esperança contribuem muito para a criminalidade.
Os incômodos gerados pelos ratos podem ser controlados com venenos, ou nos cercando melhor para que não invadam nossas casas. Mas, o que fazer quando os invasores são seres humanos compostos de carne e osso, e, principalmente, de uma alma como a nossa?
Há quem pretenda fugir como se fogem dos ratos: isolando nosso mundo do deles. E para isso se faz uma verdadeira corrida para os “condomínios fechados”. Nesses, cada vez se fazem necessários mais equipamentos sofisticados de segurança: guarita com controle rígido de entrada e saída, ronda interna a todo instante, muro cada vez mais elevado e todo ele recheado de cerca elétrica, câmeras de segurança, enfim, tudo que a tecnologia nos proporciona para estarmos “bem seguros”.
Não penso que haja nada de errado em buscar tais mecanismos de defesa, porém isso não resolve o problema. Antes, tende a agravá-lo se serve de paliativo para não enfrentá-lo a fundo.
Manoel Bandeira, em seu poema “O Bicho” deixa estampada a sua indignação com a triste sorte dos miseráveis de nosso tempo:
“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
 Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”.

Talvez esteja aqui bem clara a razão de nossa crescente insegurança. Os ratos, tratemo-los como ratos, e os homens, como homens. Que sejam condenados e cumpram penas severas aqueles que cometem atrocidades contra os semelhantes. Mas a todos, porém, que seja reconhecida a mesma dignidade, aquela que ainda não chegou às muitas favelas de nossa cidade.

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