Fazia algum tempo que não passava pela experiência de
estar em casa sem as crianças. Há um silêncio ensurdecedor. As coisas estão
insuportavelmente em ordem. Não há brinquedos pela casa e, se me ocorre deixar
o sapato fora do armário, não virá um pequeno colocá-lo para sair fazendo
barulho corredor afora. Mas que falta fazem! Esses momentos de solidão, apesar
de desagradáveis, são bons para refletir sobre o tempo dedicado aos filhos. Ou,
antes disso, e talvez mais difícil de se responder: por que os trazemos à vida?
Se fôssemos surpreendidos por essa indagação, de
pronto teríamos dificuldades para responder. Talvez pensássemos que os padrões
sociais nos impõem que, em determinado momento, o normal é casar-se e, em se
casando, o natural é também ter filhos. Mas os trazemos ao mundo apenas porque
todo mundo, ou quase todos o fazem?
Ter filho pressupõe, antes de tudo, acreditar na
vida. Sempre achei de um pessimismo destrutivo a célebre a frase de Machado de
Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas: Não
tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria. No
entanto, pode-se dizer o que quiser contra o autor da afirmação, menos que não
seja coerente. De fato, por que trazer essas criaturinhas à vida se não se
acredita na felicidade que essa existência entranhadamente anseia?
Os filhos, assim como seus pais, como também qualquer
ser humano que há na face da terra existe para uma finalidade, e é só isso que
vale a pena: ser feliz. E eles nascem com o direito inalienável de que aqueles
por quem vieram ao mundo os ensinem, mais que com palavras, com o exemplo
encarnado em suas existências, que vale a pena, que a felicidade existe.
Mas como podem os pais dizer isso aos filhos se não
convivem, se não há relacionamento entre uns e outros?
Soube de uma conversa entre um pai e o seu filho pequeno.
Era já quinta-feira e a criança não via o pai, ainda que pernoitassem na mesma
casa, desde domingo. É que o trabalho exige muito, de modo que saía para o
trabalho bem cedo, quando o filho ainda dormia e retornava muito tarde, quando
já se deitara. Na quinta-feira, calhou de o filho acordar mais cedo e
surpreendeu o pai saindo afobado: “Papai, aonde vai?”. “Vou trabalhar, filho, e
já estou atrasado”, respondeu o pai já abrindo a porta de saída. “A gente não
ficou quase nada juntos nesses dias”, disse o filho querendo um pouco de
atenção. “Filho, o que importa não é a quantidade, mas a qualidade”, argumentou
o pai. “Pai, para onde você vai agora?”. “Tenho uma reunião muito demorada e,
depois, terei de trabalhar até tarde para terminar o serviço pendente”. “Pai,
mas você não disse que o que importa é a qualidade e não a quantidade, então
por que não vem mais cedo hoje?”. Sem resposta, o pai saiu remoendo aquela
pergunta na cabeça.
A vida moderna impõe muitos desafios na educação, e
talvez o maior deles seja encontrar tempo para estar com os filhos. Não há
regra fixa para isso, nem muito menos soluções mágicas. Cada um deve, com um
pouco de criatividade e com esforço, heróico, às vezes, encontrar o tempo para
isso. E mais que estar juntos, cuidar de que sejam momentos verdadeiramente
alegres, permeados daquela alegria que inunda o ambiente quando se dispõe a
esquecer de si próprio para fazer a vida mais agradável aos outros.
E as férias são um bom momento para isso. Porém, isso
depende de como as programamos. Seria bom que nos fizéssemos a seguinte
indagação antes de planejarmos esses dias de descanso: isso que faremos nos
aproximará mais dos filhos, ou, ao contrário, servirá para criarmos uma
distância ainda maior?
O grande desafio dos pais de hoje é poder dizer com
sinceridade, por pautar suas vidas por esse ideal: “tive filhos, transmiti a
essas criaturas o legado de minha alegria”.
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