quarta-feira, 26 de julho de 2006

Gastar tempo com os filhos

Fazia algum tempo que não passava pela experiência de estar em casa sem as crianças. Há um silêncio ensurdecedor. As coisas estão insuportavelmente em ordem. Não há brinquedos pela casa e, se me ocorre deixar o sapato fora do armário, não virá um pequeno colocá-lo para sair fazendo barulho corredor afora. Mas que falta fazem! Esses momentos de solidão, apesar de desagradáveis, são bons para refletir sobre o tempo dedicado aos filhos. Ou, antes disso, e talvez mais difícil de se responder: por que os trazemos à vida?
Se fôssemos surpreendidos por essa indagação, de pronto teríamos dificuldades para responder. Talvez pensássemos que os padrões sociais nos impõem que, em determinado momento, o normal é casar-se e, em se casando, o natural é também ter filhos. Mas os trazemos ao mundo apenas porque todo mundo, ou quase todos o fazem?
Ter filho pressupõe, antes de tudo, acreditar na vida. Sempre achei de um pessimismo destrutivo a célebre a frase de Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas: Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria. No entanto, pode-se dizer o que quiser contra o autor da afirmação, menos que não seja coerente. De fato, por que trazer essas criaturinhas à vida se não se acredita na felicidade que essa existência entranhadamente anseia?
Os filhos, assim como seus pais, como também qualquer ser humano que há na face da terra existe para uma finalidade, e é só isso que vale a pena: ser feliz. E eles nascem com o direito inalienável de que aqueles por quem vieram ao mundo os ensinem, mais que com palavras, com o exemplo encarnado em suas existências, que vale a pena, que a felicidade existe.
Mas como podem os pais dizer isso aos filhos se não convivem, se não há relacionamento entre uns e outros?
Soube de uma conversa entre um pai e o seu filho pequeno. Era já quinta-feira e a criança não via o pai, ainda que pernoitassem na mesma casa, desde domingo. É que o trabalho exige muito, de modo que saía para o trabalho bem cedo, quando o filho ainda dormia e retornava muito tarde, quando já se deitara. Na quinta-feira, calhou de o filho acordar mais cedo e surpreendeu o pai saindo afobado: “Papai, aonde vai?”. “Vou trabalhar, filho, e já estou atrasado”, respondeu o pai já abrindo a porta de saída. “A gente não ficou quase nada juntos nesses dias”, disse o filho querendo um pouco de atenção. “Filho, o que importa não é a quantidade, mas a qualidade”, argumentou o pai. “Pai, para onde você vai agora?”. “Tenho uma reunião muito demorada e, depois, terei de trabalhar até tarde para terminar o serviço pendente”. “Pai, mas você não disse que o que importa é a qualidade e não a quantidade, então por que não vem mais cedo hoje?”. Sem resposta, o pai saiu remoendo aquela pergunta na cabeça.
A vida moderna impõe muitos desafios na educação, e talvez o maior deles seja encontrar tempo para estar com os filhos. Não há regra fixa para isso, nem muito menos soluções mágicas. Cada um deve, com um pouco de criatividade e com esforço, heróico, às vezes, encontrar o tempo para isso. E mais que estar juntos, cuidar de que sejam momentos verdadeiramente alegres, permeados daquela alegria que inunda o ambiente quando se dispõe a esquecer de si próprio para fazer a vida mais agradável aos outros.
E as férias são um bom momento para isso. Porém, isso depende de como as programamos. Seria bom que nos fizéssemos a seguinte indagação antes de planejarmos esses dias de descanso: isso que faremos nos aproximará mais dos filhos, ou, ao contrário, servirá para criarmos uma distância ainda maior?

O grande desafio dos pais de hoje é poder dizer com sinceridade, por pautar suas vidas por esse ideal: “tive filhos, transmiti a essas criaturas o legado de minha alegria”.

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