quarta-feira, 23 de agosto de 2006

As virtudes de Paulinho

Hoje quero compartilhar com o leitor um fato que aconteceu com um conhecido meu, o Paulinho. Tomando um chope com amigos, uma pessoa quis fazer-lhe um elogio, então disse-lhe: “Doutor” – ele é médico – “o Senhor é uma pessoa de grandes virtudes humanas”. Com o elogio, o Paulinho ficou enfurecido. “Chamem-me do que quiserem” – pensou ele, - “mas virtudes não. Essa palavra me lembra aulas de catequese que eu ia sem gosto, Igreja Católica e outras coisas ranças”.
E mal saiu o adulador, o Paulinho comentou com os amigos: “o que esse cara está pensando? Não havia palavra pior para me elogiar! Detesto as virtudes!” Mas logo a conversa voltou para as amenidades, filosofia etc.
No dia seguinte, tocou o relógio às 7 horas e, como sempre, ficou ele na dúvida se levantaria ou não. Após poucos segundos, lembrou que o primeiro paciente do dia precisava muito dele e, sem maiores delongas, levantou-se. Chegou ao consultório, como quase sempre, alguns minutos antes da primeira consulta. Chegando a sala de seu consultório, notou que o paciente, que já o aguardava, comentou com a secretária: “Ele, como sempre, é muito pontual”. O Paulinho, que outrora ficaria contente com o elogio, pôs-se a pensar: “será que a pontualidade é uma virtude? Acho que não” – concluiu – “é só um bom hábito. Droga! Essa palavra me atormentando de novo...”.
Durante a consulta, também como sempre, era todo ouvidos. Quem conversava com ele ficava com a impressão de que não teria outra coisa a fazer. E mais, seus olhos tinham algo de pai, de irmão, de amigo. É indescritível. No fundo, ele se interessava de verdade pelo paciente. Como conseqüência, o paciente saía do consultório radiante de alegria, afinal, hoje em dia não é comum ser tratado assim. “Tudo bem, Sr. Jorge” – perguntou a secretária ao notá-lo muito mais contente que antes. “Tudo ótimo, respondeu ele. O Dr. Paulo é muito atencioso e afável. Faz-me um bem imenso vir aqui”. “É, ele é um homem de muitas virtudes mesmo”, respondeu a secretária. O Paulinho, que saía para chamar pelo próximo paciente, ao ouvir isso, pensou em partir para cima da secretária, mas se conteve, afinal, desde a juventude não se lembra de nenhuma agressão física que tivesse cometido.
Ao final do dia, o Paulinho não havia tido mais que meia hora para tomar um lanche de almoço. Foram doze massacrantes consultas, mas ele permanecia lá, tratando a todos com a mesma cordialidade. Desculpe-me, Paulinho, agora sou eu que estou inventando uma nova virtude (a cordialidade). Vamos mudar a frase: seguia ele até ao final dando muita atenção a todos, pois era de fato muito atencioso e, além disso, laborioso (droga, para consertar inventei mais duas virtudes!). Bem, seja lá o que for, mesmo depois de horas de trabalho, ele não reduzia a qualidade do atendimento. E a última paciente, após a consulta, saiu quieta, mas serena. “Tudo bem, Vera?” – perguntou a secretária. “Tudo bem, respondeu a paciente. Para ser bem sincera, eu estou envergonhada. É que tenho bem menos trabalho que o Dr. Paulo e me irrito muito facilmente, mas ele é sempre tão paciente e cortês, e olha que já deve ter tido muitos aborrecimentos hoje!”.
Às oito e meia da noite, voltou para casa. Arrebentado, começava o terceiro tempo de seu dia. Logo de entrada, encontrou com a filha. A presença dela dissipa-lhe, entretanto, qualquer dissabor e sua frase foi um vibrante: “boa noite, filhota! Como foi seu dia, meu amor?”. Ele é também muitíssimo brincalhão e o beijo e o abraço na esposa não foram menos efusivos que o da filha. E o ambiente familiar, com a sua presença, inundou-se de serenidade e alegria.
Desculpe, Paulinho, ao descrever a sua chegada em casa, apontei-lhe mais duas virtudes: a serenidade e a alegria. Mas veja, Paulinho, você pode me desculpar. É que gosto tanto da virtude da alegria, que penso que ela é o sal que dá sabor às demais, afinal, um homem que se diz virtuoso e não é alegre, na verdade não o é. Virtude triste é uma contradição nos próprios termos.

E mais, o amor que você, Paulinho, tem pela esposa, pela filha, pela Vera, pelo Sr. Jorge (aqueles pacientes, lembra?), é tão intenso, que ao exercitá-lo, faz de você uma pessoa muitíssimo virtuosa. Aceite de coração o elogio, vai! Não se irrite comigo, por favor!

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