Hoje quero compartilhar com o leitor um fato que
aconteceu com um conhecido meu, o Paulinho. Tomando um chope com amigos, uma
pessoa quis fazer-lhe um elogio, então disse-lhe: “Doutor” – ele é médico – “o
Senhor é uma pessoa de grandes virtudes humanas”. Com o elogio, o Paulinho
ficou enfurecido. “Chamem-me do que quiserem” – pensou ele, - “mas virtudes
não. Essa palavra me lembra aulas de catequese que eu ia sem gosto, Igreja
Católica e outras coisas ranças”.
E mal saiu o adulador, o Paulinho comentou com os
amigos: “o que esse cara está pensando? Não havia palavra pior para me elogiar!
Detesto as virtudes!” Mas logo a conversa voltou para as amenidades, filosofia
etc.
No dia seguinte, tocou o relógio às 7 horas e, como
sempre, ficou ele na dúvida se levantaria ou não. Após poucos segundos, lembrou
que o primeiro paciente do dia precisava muito dele e, sem maiores delongas,
levantou-se. Chegou ao consultório, como quase sempre, alguns minutos antes da
primeira consulta. Chegando a sala de seu consultório, notou que o paciente,
que já o aguardava, comentou com a secretária: “Ele, como sempre, é muito pontual”.
O Paulinho, que outrora ficaria contente com o elogio, pôs-se a pensar: “será
que a pontualidade é uma virtude? Acho que não” – concluiu – “é só um bom
hábito. Droga! Essa palavra me atormentando de novo...”.
Durante a consulta, também como sempre, era todo
ouvidos. Quem conversava com ele ficava com a impressão de que não teria outra
coisa a fazer. E mais, seus olhos tinham algo de pai, de irmão, de amigo. É
indescritível. No fundo, ele se interessava de verdade pelo paciente. Como
conseqüência, o paciente saía do consultório radiante de alegria, afinal, hoje
em dia não é comum ser tratado assim. “Tudo bem, Sr. Jorge” – perguntou a
secretária ao notá-lo muito mais contente que antes. “Tudo ótimo, respondeu
ele. O Dr. Paulo é muito atencioso e afável. Faz-me um bem imenso vir aqui”.
“É, ele é um homem de muitas virtudes mesmo”, respondeu a secretária. O
Paulinho, que saía para chamar pelo próximo paciente, ao ouvir isso, pensou em
partir para cima da secretária, mas se conteve, afinal, desde a juventude não
se lembra de nenhuma agressão física que tivesse cometido.
Ao final do dia, o Paulinho não havia tido mais que
meia hora para tomar um lanche de almoço. Foram doze massacrantes consultas,
mas ele permanecia lá, tratando a todos com a mesma cordialidade. Desculpe-me,
Paulinho, agora sou eu que estou inventando uma nova virtude (a cordialidade).
Vamos mudar a frase: seguia ele até ao final dando muita atenção a todos, pois
era de fato muito atencioso e, além disso, laborioso (droga, para consertar
inventei mais duas virtudes!). Bem, seja lá o que for, mesmo depois de horas de
trabalho, ele não reduzia a qualidade do atendimento. E a última paciente, após
a consulta, saiu quieta, mas serena. “Tudo bem, Vera?” – perguntou a
secretária. “Tudo bem, respondeu a paciente. Para ser bem sincera, eu estou
envergonhada. É que tenho bem menos trabalho que o Dr. Paulo e me irrito muito
facilmente, mas ele é sempre tão paciente e cortês, e olha que já deve ter tido
muitos aborrecimentos hoje!”.
Às oito e meia da noite, voltou para casa.
Arrebentado, começava o terceiro tempo de seu dia. Logo de entrada, encontrou
com a filha. A presença dela dissipa-lhe, entretanto, qualquer dissabor e sua
frase foi um vibrante: “boa noite, filhota! Como foi seu dia, meu amor?”. Ele é
também muitíssimo brincalhão e o beijo e o abraço na esposa não foram menos
efusivos que o da filha. E o ambiente familiar, com a sua presença, inundou-se
de serenidade e alegria.
Desculpe, Paulinho, ao descrever a sua chegada em
casa, apontei-lhe mais duas virtudes: a serenidade e a alegria. Mas veja,
Paulinho, você pode me desculpar. É que gosto tanto da virtude da alegria, que
penso que ela é o sal que dá sabor às demais, afinal, um homem que se diz
virtuoso e não é alegre, na verdade não o é. Virtude triste é uma contradição
nos próprios termos.
E mais, o amor que você, Paulinho, tem pela esposa,
pela filha, pela Vera, pelo Sr. Jorge (aqueles pacientes, lembra?), é tão
intenso, que ao exercitá-lo, faz de você uma pessoa muitíssimo virtuosa. Aceite
de coração o elogio, vai! Não se irrite comigo, por favor!
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