quarta-feira, 30 de agosto de 2006

O valor da amizade

Estava dando voltas pensando no que falar com o leitor nesta semana, quando tocou a campainha. Era o Sr. João. Que bom é vê-lo! É um homem que, com mil problemas e amarguras na vida, sobe superar tudo com valentia, o que o faz agora mais fortemente alegre. E, sem querer descer do carro, vi de longe a grande fonte de sua fortaleza, a sua esposa, D. Marina. Ela é dessas mulheres fortes que os revezes da vida outra coisa não fizeram que forjar uma paz e serenidade inabaláveis. Passaram apenas para deixar umas jabuticabas para as crianças. Dessa vez a “inspiração” vem pelos fatos: falaremos da amizade, mais concretamente, dessas atitudes totalmente desinteressadas que movem as pessoas a pensar nos demais sem esperar nada em troca que não agradar, fazer um bem ao amigo.
Como é bom ter amigos! Infelizmente, porém, vivemos num mundo que não mais valoriza nem é propício para se manter a verdadeira amizade. Com efeito, em nossa triste sociedade de consumo, as relações humanas são, em grande parte,  marcadas pelo utilitarismo. Assim, pensa-se, por exemplo: “devo me aproximar mais agora de Fulano, pois acaba de ser promovido para gerente...”, ou, “Ciclano tem muitos contatos, de modo que é bom ser ‘amigo’ dele”.
Lembro-me de uma história que meu avô gostava muito de repetir. Morava ele em uma pequena cidade do interior e, certa vez, um de seus filhos contraiu tétano, temível doença naquela época. E não havia remédio que não esperar a morte da criança. Porém, a única esperança seria um medicamento a ser buscado em São Paulo. Um amigo dele, sabendo disso, insistia com o piloto e dono de um pequeno avião que havia na localidade para fazer a viagem. Esses ponderavam que o tempo não era nada adequado para o vôo e que isso seria por demais arriscado. Depois de muita insistência o piloto decolou. Foram vários percalços, mas voltaram com o remédio e, com isso, meu tio recuperou a saúde.  É impressionante notar como meu avô, anos após, manifestava uma incalculável gratidão com o amigo.
Décadas após, presenciei uma cena que me fez sentir a maravilha que é ter um amigo de verdade. Já se havia diagnosticado que minha avó contava com apenas umas horas a mais de vida. Esse amigo de meu avô foi visitá-lo. De chegada, fitaram-se uns instantes nos olhos, e o amigo deu-lhe um terno e demorado abraço. Nenhuma palavra. E nem precisava dela, o abraço dizia tudo. E ficaram ali, lado a lado. Parece que os amigos de verdade desenvolvem uma sensibilidade fina, de modo que sabem quando é hora de falar, e sabem quando, calado, muito mais se diz.
Penso que o melhor elogio que se pode imaginar para colocar sobre a efígie de um homem quando deixa essa vida seja essa: “homem de bons e muitos amigos”. Esse é, de fato, um dos melhores legados que se pode deixar. Dizem que da vida se leva a vida que se leva. A frase é sábia, pois, de fato, saber ter sólidas e frutíferas amizades constrói parte dessa ‘imortalidade’ a que tanto se almeja.
Mas a amizade precisa ser cultivada. O coração humano tem uma porta que se abre para fora. Se a tentamos abrir para dentro, quanto mais a forçamos, mais a fechamos, e, em conseqüência, mais nos isolamos. A verdadeira amizade é desinteressada. Busca-se o bem do outro por si só, sem nada esperar em troca.
A verdadeira amizade não é interesseira. Há quem busque fazer amigos para que façam parte de uma espécie de panelinha. A assim se corteja o amigo para que faça parte de um partido, para que passe a freqüentar a sua igreja, para que tome parte de uma associação, de uma entidade de ajuda mútua etc. Ocorre que a verdadeira amizade não impõe condições, ou seja, é amigo porque é, e nada mais.
É claro que a amizade, quando é verdadeira, leva a se preocupar com o amigo, a dar bons conselhos, ainda que custe. Conheço uma pessoa que tinha um amigo com quem era muito leal. E o amigo veio confidenciar-lhe que estava pensando em se separar da esposa. Após ouvir o amigo atentamente, não hesitou em dizer-lhe: “nesse assunto, você está sendo egoísta, é melhor pensar um pouco mais”. A frase pareceu dura, porém, anos após, o amigo se lembraria com gratidão do bom conselho.
Por fim, caro leitor, como estava sem inspiração para começar, também estou para encerrar, de modo que deixo isso a cargo do grande Milton Nascimento:
Amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração

Assim falava a canção...

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