A população brasileira tem observado, com
perplexidade e indignação, casos de crimes em que os seus autores, apesar de haver
provas muito claras, ou mesmo depois de julgados e condenados, desfrutarem do
benefício de aguardar o desfecho final dos processos em liberdade.
Ao abordar esse tema, ressalto que não me refiro a
nenhum caso específico, e nem poderia fazê-lo, por estar impedido pela Lei
Orgânica da Magistratura, mas abordar a questão sob um prisma mais amplo e
geral.
Sob o aspecto jurídico, as decisões judiciais que
colocam os autores desses crimes em liberdade, no mais das vezes, são corretas.
O inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assim, até que não
caiba mais recurso contra a decisão que condena os autores de crimes, eles não
podem ser considerados tecnicamente culpados, nem iniciar o cumprimento da
pena.
Isso não quer dizer que, enquanto não forem
definitivamente condenados, não podem ser presos. Porém, essa prisão que ocorre
antes da decisão definitiva, é uma prisão que se pode chamar de cautelar, ou
seja, é apenas imposta como cautela, não é ainda cumprimento de pena. E para que
isso ocorra, não basta que haja provas, ainda que muito fortes, de que ocorreu
o crime e de quem seja o seu autor. Além disso, a lei exige para se impor essa
modalidade de prisão que, acaso acusado permaneça em liberdade, isso represente
um risco à sociedade (que vá cometer outros crimes, por exemplo), que haja
indícios que pode fugir, ou de que vá atrapalhar o andamento do processo
(ameaçando testemunhas, por exemplo).
Assim, muitos desses casos em que nos indignamos por
ver o acusado aguardar em liberdade, são de pessoas que nunca cometeram crimes
antes, de modo que não se pode presumir que a liberdade represente um crime
para a sociedade, têm vínculos (casa, família, emprego) no lugar em que
residem, o que reduz a possibilidade de fuga, ou mesmo que se apresentaram
espontaneamente à autoridade, do que se denota que não vão atrapalhar o
andamento do processo.
O problema é que os processos costumam demorar. E,
estando o acusado em liberdade, não é raro usar e abusar dos recursos e demais meios
processuais existentes para protelar o fim do processo, sem o que o acusado não
pode iniciar o cumprimento da pena.
Para o cidadão comum do povo, contudo, nada afeito às
complicadas expressões jurídicas, argumentos do tipo presunção de não
culpabilidade, princípio da ampla defesa, contraditório, trânsito em julgado,
coisa julgada, blá, blá, blá!, nada interessa. Interessa que alguém cometeu um
crime, muitas vezes bárbaro, e precisar pagar por isso.
E nós, profissionais do direito, certos de estar com
a razão, muito facilmente respondemos à indignação do povo com a seguinte
observação: “eles não entendem que apenas aplicamos a Lei e a Constituição”.
Mas será correto esse raciocínio, quando menos simplista?
Povo quer Justiça e não se contenta com argumentos
que apenas reforçam a ineficácia do sistema.
Não se quer dizer que se deva atirar fora todas as
garantias constitucionais duramente conquistadas. Sabemos a história da
conquista desses direitos em face de um Estado autoritário. Porém, não podem agora
servir de escudo para a impunidade.
É momento de nós, operadores do direito, refletirmos
muito seriamente nas causas do imenso abismo que há entre as decisões judiciais
e a sede por justiça que se mantém insatisfeita em nossa sociedade, e
começarmos a trabalhar duro para eliminá-lo. Do contrário, não duvidemos, não
tardará em surgir vozes a bradar: para que serve essa instituição? Refiro-me,
meus amigos, com profunda dor na alma, ao Poder Judiciário.
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