quarta-feira, 18 de outubro de 2006

O povo quer Justiça

A população brasileira tem observado, com perplexidade e indignação, casos de crimes em que os seus autores, apesar de haver provas muito claras, ou mesmo depois de julgados e condenados, desfrutarem do benefício de aguardar o desfecho final dos processos em liberdade.
Ao abordar esse tema, ressalto que não me refiro a nenhum caso específico, e nem poderia fazê-lo, por estar impedido pela Lei Orgânica da Magistratura, mas abordar a questão sob um prisma mais amplo e geral.
Sob o aspecto jurídico, as decisões judiciais que colocam os autores desses crimes em liberdade, no mais das vezes, são corretas. O inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assim, até que não caiba mais recurso contra a decisão que condena os autores de crimes, eles não podem ser considerados tecnicamente culpados, nem iniciar o cumprimento da pena.
Isso não quer dizer que, enquanto não forem definitivamente condenados, não podem ser presos. Porém, essa prisão que ocorre antes da decisão definitiva, é uma prisão que se pode chamar de cautelar, ou seja, é apenas imposta como cautela, não é ainda cumprimento de pena. E para que isso ocorra, não basta que haja provas, ainda que muito fortes, de que ocorreu o crime e de quem seja o seu autor. Além disso, a lei exige para se impor essa modalidade de prisão que, acaso acusado permaneça em liberdade, isso represente um risco à sociedade (que vá cometer outros crimes, por exemplo), que haja indícios que pode fugir, ou de que vá atrapalhar o andamento do processo (ameaçando testemunhas, por exemplo).
Assim, muitos desses casos em que nos indignamos por ver o acusado aguardar em liberdade, são de pessoas que nunca cometeram crimes antes, de modo que não se pode presumir que a liberdade represente um crime para a sociedade, têm vínculos (casa, família, emprego) no lugar em que residem, o que reduz a possibilidade de fuga, ou mesmo que se apresentaram espontaneamente à autoridade, do que se denota que não vão atrapalhar o andamento do processo.
O problema é que os processos costumam demorar. E, estando o acusado em liberdade, não é raro usar e abusar dos recursos e demais meios processuais existentes para protelar o fim do processo, sem o que o acusado não pode iniciar o cumprimento da pena.
Para o cidadão comum do povo, contudo, nada afeito às complicadas expressões jurídicas, argumentos do tipo presunção de não culpabilidade, princípio da ampla defesa, contraditório, trânsito em julgado, coisa julgada, blá, blá, blá!, nada interessa. Interessa que alguém cometeu um crime, muitas vezes bárbaro, e precisar pagar por isso.
E nós, profissionais do direito, certos de estar com a razão, muito facilmente respondemos à indignação do povo com a seguinte observação: “eles não entendem que apenas aplicamos a Lei e a Constituição”. Mas será correto esse raciocínio, quando menos simplista?
Povo quer Justiça e não se contenta com argumentos que apenas reforçam a ineficácia do sistema.
Não se quer dizer que se deva atirar fora todas as garantias constitucionais duramente conquistadas. Sabemos a história da conquista desses direitos em face de um Estado autoritário. Porém, não podem agora servir de escudo para a impunidade.

É momento de nós, operadores do direito, refletirmos muito seriamente nas causas do imenso abismo que há entre as decisões judiciais e a sede por justiça que se mantém insatisfeita em nossa sociedade, e começarmos a trabalhar duro para eliminá-lo. Do contrário, não duvidemos, não tardará em surgir vozes a bradar: para que serve essa instituição? Refiro-me, meus amigos, com profunda dor na alma, ao Poder Judiciário.

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