Hoje é dia do médico. Já escrevemos nesta coluna um
artigo intitulado “Que médicos queremos?”. Agora, como homenagem, retomemos o
tema.
Tem-se notado o aumento de demandas fundadas no
chamado “erro médico”. Penso que uma das causas disso seja o materialismo e o
hedonismo que marcam o nosso tempo. Muitos vivem exclusivamente em busca do
prazer, de “curtir a vida” ao máximo. E para isso é necessário ter boa saúde e
vida longa. O médico passa a ser encarado, nesse contexto, como o responsável
por eliminar a dor e proporcionar essa longevidade.
É com esses olhos que muitas vezes se encara o
médico: como vendedor de saúde e de uma vida longa. No entanto, por mais que a
medicina tenha evoluído, é evidente que homem não tem nem nunca terá domínio
completo sobre a vida, de modo que sempre existirão doenças incuráveis. A
realidade da dor e da morte acompanhará inexoravelmente a sorte do homem.
Mas há aqueles que insanamente se revoltam contra
essa realidade, de modo que, quando se deparam com ela, andam atrás de um
culpado, e não é de se estranhar que se revoltem contra o médico que não lhes
garantiu (e nem teria como garantir) a ausência de dor nessa curta passagem por
essa vida. Eis aí uma situação propícia para suscitar um processo de indenização
por danos morais, afinal, o dinheiro é um paliativo à dor e morte que não se
evitou, mas é também algo extremamente necessário nessa concepção de felicidade
que se forjou.
Mas não é essa, certamente, a única causa para o
aumento dos litígios nesse campo. Também o médico tem a sua parcela de
responsabilidade. No entanto, a sua parcela de culpa não reside principalmente na
falta de conhecimento técnico em si, nem de competência profissional, mas em
uma certa “desumanização” que tem atingido as pessoas em geral, e o médico em
particular.
O fator determinante que leva a acionar o Judiciário
contra o médico, no mais das vezes, não é o erro em si, mas a insatisfação
gerada por um atendimento frio e indiferente dispensado ao paciente ou aos seus
familiares. Isso porque o médico, frequentemente angustiado com as muitas
atividades que tem de desempenhar, muitas vezes não encontra tempo para ouvir o
paciente com atenção, para falar olhando-lhe nos olhos.
Acredito que muitos pacientes, e também seus
familiares, estariam até dispostos a relevar eventuais equívocos praticados
pelos médicos, desde que não sejam grosseiros, se tivessem sido tratados com
atenção, com respeito, com tempo, sem afobações nem ares de despacho.
Certa vez ouvi um jurista sustentar a conveniência de
se fazer seguro para se resguardar do risco de indenização por erro médico.
Penso, porém, que essa solução não é satisfatória nem para o médico nem muito
menos para o paciente. Não resolve o problema do médico porque, ainda que o
seguro o livre do risco de pagar uma indenização, não o livra do processo, e
dos dissabores desse (audiência, contratação de advogado etc.), que já são uma
punição em si. E
o paciente não quer médicos temerosos ou precavidos, mas profissionais
competentes e que se interessem de verdade por ele.
A solução é, portanto, “re-humanizar” as relações
entre médicos e pacientes. Há que se resgatar a dignidade da profissão a partir
de uma nova postura, que saiba enxergar para além de um corpo enfermo que se
tem diante de si, um ser humano, que mais do que um aglomerado de células e
tecidos, possui uma alma, muitas vezes mais doente, sedenta apenas de um minuto
de delicada atenção. Afinal, a maior doença do nosso tempo é a solidão que gela
os corações das pessoas, que correm loucamente em busca de anseios vãos e se
esquecem que a felicidade está, muitas vezes, num simples sorrir e escutar quem
está bem ao lado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário