quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Parabéns, doutor!

Hoje é dia do médico. Já escrevemos nesta coluna um artigo intitulado “Que médicos queremos?”. Agora, como homenagem, retomemos o tema.
Tem-se notado o aumento de demandas fundadas no chamado “erro médico”. Penso que uma das causas disso seja o materialismo e o hedonismo que marcam o nosso tempo. Muitos vivem exclusivamente em busca do prazer, de “curtir a vida” ao máximo. E para isso é necessário ter boa saúde e vida longa. O médico passa a ser encarado, nesse contexto, como o responsável por eliminar a dor e proporcionar essa longevidade.
É com esses olhos que muitas vezes se encara o médico: como vendedor de saúde e de uma vida longa. No entanto, por mais que a medicina tenha evoluído, é evidente que homem não tem nem nunca terá domínio completo sobre a vida, de modo que sempre existirão doenças incuráveis. A realidade da dor e da morte acompanhará inexoravelmente a sorte do homem.
Mas há aqueles que insanamente se revoltam contra essa realidade, de modo que, quando se deparam com ela, andam atrás de um culpado, e não é de se estranhar que se revoltem contra o médico que não lhes garantiu (e nem teria como garantir) a ausência de dor nessa curta passagem por essa vida. Eis aí uma situação propícia para suscitar um processo de indenização por danos morais, afinal, o dinheiro é um paliativo à dor e morte que não se evitou, mas é também algo extremamente necessário nessa concepção de felicidade que se forjou.
Mas não é essa, certamente, a única causa para o aumento dos litígios nesse campo. Também o médico tem a sua parcela de responsabilidade. No entanto, a sua parcela de culpa não reside principalmente na falta de conhecimento técnico em si, nem de competência profissional, mas em uma certa “desumanização” que tem atingido as pessoas em geral, e o médico em particular.
O fator determinante que leva a acionar o Judiciário contra o médico, no mais das vezes, não é o erro em si, mas a insatisfação gerada por um atendimento frio e indiferente dispensado ao paciente ou aos seus familiares. Isso porque o médico, frequentemente angustiado com as muitas atividades que tem de desempenhar, muitas vezes não encontra tempo para ouvir o paciente com atenção, para falar olhando-lhe nos olhos.
Acredito que muitos pacientes, e também seus familiares, estariam até dispostos a relevar eventuais equívocos praticados pelos médicos, desde que não sejam grosseiros, se tivessem sido tratados com atenção, com respeito, com tempo, sem afobações nem ares de despacho.
Certa vez ouvi um jurista sustentar a conveniência de se fazer seguro para se resguardar do risco de indenização por erro médico. Penso, porém, que essa solução não é satisfatória nem para o médico nem muito menos para o paciente. Não resolve o problema do médico porque, ainda que o seguro o livre do risco de pagar uma indenização, não o livra do processo, e dos dissabores desse (audiência, contratação de advogado etc.), que já são uma punição em si. E o paciente não quer médicos temerosos ou precavidos, mas profissionais competentes e que se interessem de verdade por ele.

A solução é, portanto, “re-humanizar” as relações entre médicos e pacientes. Há que se resgatar a dignidade da profissão a partir de uma nova postura, que saiba enxergar para além de um corpo enfermo que se tem diante de si, um ser humano, que mais do que um aglomerado de células e tecidos, possui uma alma, muitas vezes mais doente, sedenta apenas de um minuto de delicada atenção. Afinal, a maior doença do nosso tempo é a solidão que gela os corações das pessoas, que correm loucamente em busca de anseios vãos e se esquecem que a felicidade está, muitas vezes, num simples sorrir e escutar quem está bem ao lado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário