quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Razão e fé


Na sua coluna de sexta-feira dia 1º de dezembro, o Cecílio abriu o seu coração, narrando as vicissitudes da sua fé no decorrer de sua vida. É comum às pessoas se abrirem em confidência em um círculo de amigos após um primeiro se aventurar a fazê-lo. Não estamos em um bate-papo, mas o fato de estarmos ocupando um mesmo espaço no jornal, ao menos para mim, dá uma sensação semelhante, de modo que me animo a fazer o mesmo.
Devia ter cerca de dez anos quando a fé despontou-me muito vibrante. Lembro-me do padre Ladislau, na pacata cidade de Tabapuã, situada no interior do Estado de São Paulo. Como ele era amável com as crianças! E com que simplicidade nos ensinava as verdades de fé com o seu forte sotaque polonês!
Que pena, caro Cecílio, que aquela fé tão inocente também não tenha resistido a mais de três aulas de história do colegial. Em pouco tempo, a Igreja deixou de ser aqueles simples e amáveis ensinamentos do Padre Ladislau e passou a ser apenas a autora da terrível Inquisição, homicida, perversa e dominadora.
Olhando agora a essas duas fases de minha vida, posso contemplar muito claramente a diferença. Nos tempos de fé, reinava a paz, a serenidade, o mundo que me cercava era como que um quebra-cabeça com todas as peças encaixadas. O jovem, ao contrário, confuso e sem rumo, numa vã procura da felicidade perdida por caminhos onde ela não estaria jamais. Pior, estava agora instigado ao ódio, como que obrigado a procurar inimigos, culpados pelo grande vazio da alma.
Por sorte, ou melhor, pelos maravilhosos caminhos que somente a Providência sabe explicar, a fé voltou-me a brilhar, e já se pode vislumbrar o quebra-cabeça se encaixando de novo: que paz! E aqui estou, caro Cecílio, pensativo com seu artigo, um pouco melancólico pela sensação de tempo perdido, mas feliz.
Em dois pontos tratados no artigo, porém, penso que a questão possa ser analisada sob um outro enfoque.
A primeira coisa que me ocorre considerar é que a imensa maioria dos conhecimentos que possuímos, e que chamaríamos de “racionais”, decorrem de uma fé humana. Por exemplo, se perguntássemos a um ateu, quantos habitantes têm o Brasil? “Cerca de cento e oitenta milhões”, responderia ele de plano. Perguntaria então: “você já contou?”. “Não, mas o IBGE contou e, por ser uma instituição confiável, posso acreditar que isso é verdade”. Ora, é um conhecimento que se tem pela fé humana.
Da mesma forma, ninguém viu a Deus para saber como Ele é e o que quer de nós seres humanos. Mas houve um Homem que veio ao mundo num determinado tempo da história e nos disse quem é Deus e o que Ele quer de nós. E para que seus ensinamentos merecessem credibilidade, esse Homem curou doentes, ressuscitou mortos, multiplicou pães, converteu água em vinho etc. Será que não é tanto mais digno de fé que o IBGE?

Outro ponto que você me fez refletir, caro Cecílio, é quando diz que é humano demais para ser um bom católico. Bem, sempre considerei o contrário, ou seja, que para ser um bom cristão é preciso ser muito humano, como Cristo o foi. É tão patente a humanidade de Jesus que o contemplamos, por vezes, sedento, implorando um pouco de água à mulher que foi ao poço retirá-la, e também quando tinha tanto sono que dormia profundamente na barca que, agitada pelas ondas, quase afundava. Tão humano foi a ponto de ter cansaço, fome, sede, dor, chorou diante do túmulo de Lázaro! Ser cristão é imitar a Cristo, e esse O contemplamos muitíssimo humano. Unir o divino e o humano é a tarefa que nos cabe nesta nossa vida. Difícil... mas possível, pois temos os meios para isso, entre outros, a própria fé, a nossa razão e o nosso coração.

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