quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Histórias de verdade

Um ilustre leitor me enviou uma mensagem que merece ser lida e meditada:
Havia, na pequena cidade da minha infância (Lençóis Paulista), um fazendeiro dinamarquês chamado Ingvar Aagesen. A pronúncia do seu nome era muito difícil para nós, por isso todos o chamavam “Osma”, o que ele admitia elegantemente. Era um homem sério, muito culto, e sua fazenda era, para a época, de um refinamento nunca visto. Chiqueiros de azulejo, porcos tomando banho diário, cavalos de raça, música erudita, capela, escola, quadras de esportes, belos jardins. Enfim, tínhamos um grande respeito pelo “seu Osma”. Todos os anos ele viajava para a Dinamarca, a negócios ou distração. Numa dessas viagens, ele decidiu levar junto um capataz, ao qual desejava oferecer uma espécie de prêmio. Terminados os seus afazeres, estavam de volta, a caminho do aeroporto, de carro alugado, quando, em certo ponto da viagem, um guarda rodoviário mandou que encostassem. Havia uma fila imensa no acostamento, e o capataz, muito preocupado e nervoso, sugeriu que eles poderiam perder a hora do embarque. Consultando o relógio, “seu Osma” chamou o guarda, falou com ele em dinamarquês e, imediatamente, o guarda os escoltou até à ponta da fila, e eles chegaram a tempo para seu compromisso. Muito espantado com aquilo, o capataz disse:
“-Puxa! Você deve ser muito importante aqui no seu país”.
“-Não sou”, respondeu Osma, “pois eu nem moro aqui, ninguém me conhece”.
“-Então”, disse o capataz, “o que foi que você disse ao guarda, que nos tirou logo de lá?” Ao que ele respondeu: “-Eu lhe disse que nós estamos com pressa”. O capataz arregalou os olhos e perguntou: “-E por que os outros também não fazem isso?”. Respondeu o Osma: “-Ora, porque eles não estão com pressa”.
Desde que ouvi contar esse fato, alimentei sempre um desejo secreto de morar na Dinamarca.
Trinta anos mais tarde, fui a um estabelecimento de ensino, em Washington, buscar um documento escolar. Um funcionário me atendeu gentilmente, e pediu que tomasse meu lugar na fila, que não era muito grande. Mas, acostumado à morosidade habitual dos nossos serviços públicos, perguntei:
“-Vai demorar muito?”.
Sempre cuidadoso, ele respondeu:
“- Por que? O senhor está com pressa? Posso chamar outra pessoa para atende-lo”.
Nesse momento eu me lembrei do Osma, e disse:
“-Não; isso não é necessário, eu posso esperar”. (João Serralvo, aposentado, Contador, Professor, Administrador, Valinhos, SP).
 Essa história do João Serralvo me fez lembrar um incidente recente que se passou comigo. Fazia pouco tempo que havia ficado sócio de um clube e estava com umas autorizações provisórias, que permitiam o acesso. Estando a caminho, notei que havia esquecido os documentos e lamentei: “droga, não conseguiremos entrar no clube, pois esqueci as carteirinhas”. A minha filha, então com quatro anos, perguntou: “Pai, mas para que precisa dessas carteirinhas?”. Respondi o que me parecia muito óbvio: “É para que o porteiro saiba que somos sócios e nos deixe entrar”. “Ora, pai, diga a ele que já somos sócios e pronto”. Confesso que não tive coragem de argumentar com ela que o porteiro não acreditaria, ou que a minha palavra não teria valor para ele.
Lembro-me ainda de um incidente que me ocorreu quando era criança. Participava de um campeonato de futebol. O jogo era tenso, acho que era a final. Em um lance mais duro, levantou-se uma discussão, pois os adversários diziam que a bola havia tocado na minha mão, o que os meus companheiros negavam com veemência. Eu, muito inocente, sem hesitar nem um pouco disse: “a bola pegou em minha mão sim”. Por pouco que não me expulsaram do time...

Apesar disso, caríssimo João, penso que não seja necessário mudarmos para a Dinamarca. Basta que ensinemos nossas crianças que vale a pena dizer a verdade sempre, ainda que custe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário