Cara Ana Paula, vi sua
foto no jornal, portando uma arma na mão e, desde então, não pude conter o
desejo de falar-lhe algo. Confesso, porém, cara aluna, que não sabia como fazê-lo.
Fui juiz corregedor dessa cadeia de Indaiatuba e passei várias sextas-feiras
próximo às grades ouvindo das presas: “Doutor, quando sai a minha condicional”,
“doutor, e o meu semi-aberto”. Mas agora não posso nem devo ir até aí. Tampouco
seria de bom tom escrever-lhe uma carta. Decidi, então, que a melhor forma seja
dizer em público, nesta coluna, até para que possa compartilhar com os leitores
o profundo pesar que sente um mestre que não soube ser entendido.
Em nossas aulas de
direito civil na UNIP você se mostrava atenciosa. Gostaria então de revisar uma
aula, e nela não se pode tirar nota ruim, pois nesse assunto a avaliação quem a
dá é a vida. Refiro-me àquele dia em que falamos de justiça e de direito
natural.
Eu vos disse ... droga!
Será que não soube explicar bem?! Que a justiça é dar a cada um o que é seu. Cheguei
a citar alguns exemplos, lembra?: “que o pai e a mãe devem dar carinho e
educação aos seus filhos, pois, assim o fazendo, estão dando a eles o que lhes
é devido”; “que o filho deve dar respeito aos pais, porque também isso lhes é
devido”; “que o devedor deve pagar suas dívidas, que não se deve contrair
dívidas que não se sabe se irá honrar”. Não lhes disse que não se pode pegar em
armas para roubar, mas nem era necessário, afinal, isso era para o professor de
direito penal, essas matérias de menos importância que o direito civil...
(lembra-se de que eu brincava com isso?).
Lembra-se de quando
tentei explicar para vocês que existe um direito positivo e um direito natural?
Quando vos disse que o direito natural está gravado no coração de cada ser
humano? Eu quis dizer, e agora repito, que todos nós temos uma lei moral
natural gravada no mais íntimo de nosso ser. Essa lei natural antecede e é
pressuposto de validade do direito positivo.
Quando se descumpre uma
lei positiva, o artigo 157 do Código Penal, por exemplo, há uma sanção que o
Estado proporciona ao infrator, você sabe disso. Mas o pior disso tudo, querida
aluna, e talvez eu não tenha sabido explicar bem, é que o direito natural diz
que temos de amar a Deus e ao próximo como a nós mesmos, e, por esse imperativo
de amor, devemos respeitar a vida, a liberdade e o patrimônio dos outros.
Quando se descumpre o
direito natural, não há sanção externa. Ninguém vai para a cadeia porque
descumpre o direito natural. A conseqüência de se descumprir a lei moral natural
é interna: não se alcança a felicidade a que estamos chamados a viver por
desígnios do Criador. E o que eu quis dizer é que não há pena pior que a que se
sofre por não ser feliz. E a felicidade está em nosso coração, basta que o
abramos aos demais.
Soube pelos jornais que
você começou a abafar a voz dessa lei natural numa dessas festas badaladas. Talvez
dessas que a Câmara Municipal tentou impedir, mas depois recuou com medo da
impopularidade. Eu me esqueci de dizer a você e aos seus colegas que no mundo
há lobos disfarçados de cordeiro. Há quem, para ganhar o voto de alguns jovens,
defendem essas festas suicidas. Mas não são cordeiros, são lobos astutos, que
em troca de votos, empurram vocês para a morte.
Seja como for, cara
aluna, não se aflija em demasia, por mais duro que seja esse cárcere. Dentro de
poucos dias estaremos celebrando a Páscoa, e saiba que Deus enviou seu Filho
para nos salvar. Para dizer a verdade, é apenas isso que me moveu a
escrever-lhe: quando você for ser interrogada por um juiz humano, a confissão
dos crimes lhe renderá, provavelmente, uma condenação; porém, perante o Juiz
Divino, uma boa confissão lhe renderá de imediato a absolvição e, com ela, a
vida eternamente feliz para a qual aponta essa lei natural que continua gravada
em seu coração, ainda que, por vezes, você tenha insistido em não escutá-la.
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