segunda-feira, 25 de junho de 2007

Não se dá o que não se tem

“Quando eu nasci, Papai do Céu olhou pra mim e disse: esse é o cara!” (Romário). Quando ouvi essa frase pensei o que muitos dos leitores devem estar pensando também: esse jogador de futebol é muito petulante, quem ele pensa que é?.. Porém, meditando melhor, podemos dizer que a frase é muitíssimo sábia, mais ainda, tem um forte conteúdo filosófico. É que ela pode ser colocada da boca de qualquer pessoa, de cada um de nós, e, principalmente, dos nossos filhos. De fato, o “Papai do Céu” nos olha como seres únicos e irrepetíveis, para Ele, todos nós somos individualmente “o cara”.
Penso que é importante que todos considerem essa realidade: cada ser humano é maravilhosamente único. Para o educador, porém, considerá-la vivamente e agir de forma coerente com ela é fundamental. Com efeito, o mestre não é nunca o professor do maternal I ou do 3º ano do ensino fundamental, mas o professor do João, da Rafaela, do Tiago, da Marina e de vários outros meninos e meninas, que têm uma família (ou não), um lar (ou não), sonhos, frustrações, alegrias, tristezas, fé, amor e esperança.
E a ponderação serve muito especialmente também para os pais. O pai e a mãe também não são o pai e a mãe das crianças, mas de cada um dos filhos, a quem é necessário conhecer a fundo. E mesmo que seja um filho único, a busca de conhecê-lo melhor não está dispensada, talvez com a desculpa de que por se ter apenas um terá mais disponibilidade para isso. Não, conhecer o filho é uma tarefa que sempre exige esforço e dedicação.
Talvez alguém possa estar se perguntando: mas por que é necessário que o educador (pai, mãe, professor) conheça o educando (filho ou aluno)? É que educar é uma tarefa de amor. Se alguém nos perguntasse se amamos uma determinada pessoa que vive na África do Sul, a resposta mais óbvia seria: “mas eu nem a conheço”.
Pois bem, mas será que conhecemos de verdade os nossos filhos? E os professores, durante o ano letivo ou no tempo de que dispõem, ocupam-se de verdade em conhecer os seus alunos?
E essa indagação sugere outra: mas temos de conhecer os nossos filhos e alunos por quê? Mais ainda, temos o direito de adentrar em suas vidas? Ora, pais e professores têm o direito e o dever de conhecer os filhos e alunos, não, porém, para devastar suas intimidades, mas para que possam ajudá-los a ser melhores como pessoas. E com isso não se tira a liberdade, até porque no interior de uma pessoa somente se entra quando se permite.
Mas ainda que se conheça o filho (ou o aluno), e se aprenda a admirá-lo. Ainda que se tenham olhos de ver as maravilhas que se encontram em cada alma, isso ainda não é suficiente para ser um bom educador. É que pode acontecer de, apesar de conhecermos os nossos filhos (ou alunos), aprendermos admirá-los, não saibamos de fato como ajudá-los.
Eis aqui talvez o grande conflito do educador. Aquele que surge quando pensa: sei o que se passa com ele (ou ela), mas e daí? Que posso fazer?
Quanto a isso, temos de admitir que ninguém dá o que não tem. Quem se aventura a ser educador, tem antes de se empenhar seriamente, a cada dia, em ser ele próprio melhor enquanto pessoa. Trata-se de esforçar-se por lutar contra os defeitos, ora vencendo, ora perdendo, mas sempre lutando. E enquanto houver essa luta, quer se perca, quer se vença, então sim se pode educar. É que então poderemos contar com o maravilhoso aprendizado de nossas vidas, aquele que obtemos com nossos fracassos e nossos sucessos.
Se lutamos, poderemos adentrar nos interior de nossos filhos (ou alunos) e perceber que são muito melhores que nós, mas poderemos ajudá-los por já termos visto em nós mesmos, superadas ou não, as mesmas dificuldades que os afligem.

Para um bom guia de alpinismo, toda escalada é única e exige os seus cuidados e desvelos. Mas somente pode ser um bom guia o que já conhece o caminho. E em matéria de educação, o mapa a ser trilhado está impresso apenas em nossos corações.

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