segunda-feira, 30 de julho de 2007

A autoridade em exame

Causou profunda indignação em muitos brasileiros a imagem exibida nos noticiários de uma autoridade do governo, comemorando a notícia de que o lamentável acidente aéreo podia ter como causa falha na aeronave. Haveria uma explicação razoável para a comemoração em meio à tão grande tragédia? E essa indagação inicial nos conduz a outra, mais profunda: qual é a missão que deve desempenhar toda e qualquer autoridade?
Se cada um de nós buscássemos de verdade o autoconhecimento, e, por esse caminho, entendermos melhor a natureza humana, talvez não nos indignássemos tanto com a reação do Senhor Ministro. É que há uma tendência natural para uma certa complacência conosco mesmos, buscando sempre desculpas para os nossos erros. Isso é bem nítido já nas crianças. Tomemos como exemplo uma briga entre garotos, quando perguntamos o que aconteceu, resposta inicial será: “foi ele que começou”, ou “ela estava me irritando”, ou ainda “ele deu o primeiro soco”. Dificilmente encontraremos um reconhecimento claro e sem rodeios da responsabilidade pelo incidente.
E não pensemos que isso é coisa de crianças. Ao contrário, nos adultos, se não houver um esforço por conhecer-nos melhor e lutar contra os próprios defeitos, essa tendência pode até se agravar e assumir características de crueldade mesmo. Cada um de nós sabe exatamente o que acontece quando algo sai errado no seu local de trabalho... O mais comum é procurar culpados que afastem a própria culpa.
Não pretendo justificar a atitude do assessor do governo, e tampouco acusá-lo. Não é esse o objetivo dessas considerações. Mas é preciso que tenhamos bem claro que não se constrói uma nação melhor e mais digna se não entendermos a fundo a natureza humana.
Mas há o outro aspecto da questão, qual seja, o verdadeiro papel que deve exercer a autoridade.
Há algum tempo, um colega relatou-me como foram suas primeiras experiências na magistratura paulista. Dizia ele que conheceu uma juíza que se gabava de estar em uma comarca muito interessante, pois a tratavam como uma “semi-deusa”, que só faltavam descerrar um tapete vermelho por onde passava... E o meu amigo comentava com decepção essa postura: “puxa, será que para ela ser juíza é somente isso?”. Mas ele também relata a sua satisfação ao conhecer outro colega, com uma visão completamente diferente, que dizia a ele que a comarca dele era um excelente lugar para se trabalhar, pois havia problemas com menores infratores, e outras situações conflituosas, que por certo dariam muito trabalho, mas que, com bom senso e dedicação, poderia prestar um excelente serviço para reverter aquele quadro.
Há um filme infantil da Disney, Mulan, do qual também podemos tirar uma interessante lição sobre como deve ser exercida a autoridade. No filme, a China está sendo invadida, e o Imperador convoca uma pessoa de cada família para defender a nação. Em determinado momento, os invasores avançam, e um assessor do Imperador sugere a ele que envie mais soldados para proteger o palácio, ao que ele responde que não: “mande os soldados para proteger o meu povo”.

Nós, que exercemos alguma forma autoridade, deveríamos meditar nisso: o que legitima o exercício da autoridade é o serviço que, com ela, podemos prestar aos demais. De fato, trazemos uma tendência inata de nos desculparmos, de atirar a responsabilidade nos outros. No entanto, cientes dessa tendência, há de se ter um esforço constante por superá-la, por esquecer-se de si próprio, da própria imagem e vaidade desenfreada, para nos dedicarmos com afinco e abnegação por esses nossos semelhantes, tão sedentos de justiça. Sem esse empenho forte e decidido, andaremos sempre à procura de culpados por nossas omissões, todas elas indesculpáveis.

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