segunda-feira, 30 de julho de 2007

Chamas

Não sei o que se passou com você, caro leitor, mas quanto a mim, confesso que a imagem da aeronave em chamas me causou uma impressão muito forte, que penso que jamais conseguirei apagar da memória.
De fato, foi um verdadeiro “tsunami brasileiro”, tendo em vista o número de vítimas. Pior, a causa de nossa tragédia não foi um maremoto, um acontecimento da natureza, totalmente inevitável e imprevisível. Ao contrário, ao que tudo indica, em grande parte foi decorrente da incompetência das autoridades encarregadas de gerir nosso sistema de transporte aéreo, num verdadeiro descaso com a vida humana. Mas não é essa a abordagem que pretendo fazer. Afinal, é só disso que a mídia tem cuidado em relação ao assunto, qual seja, procurar culpados.
Porém, além de se investigar as causas da tragédia, o que é imprescindível, até para se evitar erros semelhantes no futuro, penso que acontecimentos como esse pode nos motivar a repensar na nossa própria vida. Como estamos preenchendo os nossos dias?
Há um filme da Disney, Toy Story, que vale a pena assistir com as crianças, em que os personagens são os brinquedos de um garoto. Um deles, um boneco espacial chamado Buzz Lightyear, no início não sabe que é brinquedo e pensa que é um patrulheiro espacial de verdade. O outro personagem, o xerife Woody, cansado de discutir com Buzz, perde a paciência e grita bem alto: “VOCÊ É UM BRINQUEDO!”. Parece brincadeira, mas penso que seria necessário dizer a mesma coisa, e bem claramente, a muitas pessoas: “VOCÊ É UM SER HUMANO!”. E como todo homem e toda mulher que já passaram por este planeta, um dia vai morrer.
Ainda que pareça um pouco macabro, é de grande utilidade pensar que estamos de passagem nesta vida. É que quando se tem isso em conta, é muito mais fácil perdoar as pessoas de quem guardamos mágoas ou ressentimentos. Considerar que a vida é breve nos motivará a relevar os muitos incidentes do dia-a-dia, com os familiares, conhecidos e colegas de trabalho. Saberemos  tirar importância das coisas, a não ficar criando caso ou aumentando o tamanho dos problemas por pura imaginação. Também há de nos motivar a nos engajarmos em obras sociais de ajuda aos menos favorecidos, pois isso deixará as marcas das boas obras por onde passamos. Levar-nos-á também a nos dedicarmos mais, enquanto é tempo, à esposa, ao marido, aos filhos e aos amigos. Enfim, procuraremos ter um relacionamento mais estrito com Deus, a crescer na fé.
Naquele avião deveria ter pessoas que ali entraram carrancudos, pegaram seus jornais, sem ao menos olhar a quem estaria ao lado, por vezes maquinando em suas mentes sobre como ganhar mais dinheiro, de forma lícita ou ilícita, talvez ainda pensando em como tirar proveito de alguma situação ou em como puxar o tapete do sócio ou do colega de trabalho. Enfim, seguiam com o pensamento e a vida voltados exclusivamente para si, para os próprios projetos, desejos, totalmente indiferentes aos demais. Mas haveria, por certo, outras tantas, que souberam dizer boa tarde à comissária, que talvez tenham rezado pelo comandante, que foram solícitos com uma mãe que estivesse em apuros com uma criança chorosa, que agradeceram com um sorriso o serviço prestado pela aeromoça. Todos morreram, é verdade. Mas quais deles preencheram melhor seus últimos minutos? Quais deles aproveitaram melhor todos os minutos de suas vidas?

Sim, caro leitor, é preciso recordar sem medo: você vai morrer, e eu também. Então, como estamos vivendo os minutos que nos restam? E não tenhamos dúvida de que a alegria verdadeira nesta vida somente se consegue se a transformamos num autêntico serviço ao próximo. E essa alegria, que muitas das pessoas que estavam no vôo traziam consigo, ultrapassa as chamas. Mais que isso, após esse grande salto que todos nós haveremos de dar um dia, aquela alegria atinge a sua plenitude, transformando numa eterna felicidade, ou, se preferirem, numa feliz eternidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário