segunda-feira, 9 de julho de 2007

Generalizações injustas

Em entrevista concedida ao Correio Popular, publicada na edição de 24 de junho deste ano, Cláudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, fez lúcidas e interessantes considerações sobre o problema da corrupção no Brasil. Porém, quando as críticas são generalizadas, podem representar uma grande injustiça.
Afirmou o entrevistado que “O Judiciário brasileiro é o pior de todos. Ele não funciona, ou melhor, funciona apenas para os ricos. Ele foi feito para favorecer os ricos e os ladrões”. Temos de admitir que abastados e desonestos muitas vezes saem muito bem nas demandas travadas. Mas será essa a regra? Ou, ainda que sejamos pessimistas, não haverá exceções?
Confesso que tenho verdadeira aversão a generalizações, pois elas contêm sempre meias verdades e, como toda meia verdade, há também meia mentira. Assim, atrevo-me a contestar o Sr. Cláudio Weber Abramo com casos concretos. Para fazê-lo, defronto-me com a dificuldade de que o juiz não pode se manifestar sobre processo em andamento (artigo 36, inciso III da Lei Orgânica da Magistratura). Mas pode se manifestar sobre casos findos, resguardada a discrição, evidentemente.
Soube de um juiz que, como todos os colegas do Judiciário estadual, iniciou sua carreira numa pequena Comarca do interior. Lá exercendo suas funções, teve de decretar a prisão preventiva de uma pessoa acusada de roubo e que sabidamente exercia o tráfico de entorpecentes. Quando fazia algumas semanas que esse indivíduo estava preso, atendeu a um jovem que o procurava em sua casa (nessas cidadezinhas todos sabem onde mora o juiz). Era o filho do acusado. Após alguns minutos de conversa, ouviu a súplica de angústia daquele jovem: “Doutor, eu, minha mãe e meus três irmãos estamos passando fome. Solta meu pai, por favor”. Ele amparou economicamente aquela família e o caso o marcou tão profundamente que, anos após, não consegue conter a emoção ao relatá-lo.
Em outro caso, havia um litígio sobre a guarda de filhos extremamente acirrada. Foi um estudo feito por assistente social e psicólogo que sugeria que os filhos ficassem com a mãe (ou com o pai, não me recordo bem), e essa sugestão foi acatada. Porém, os filhos se negavam com veemência a cumprir a ordem judicial: “Doutor, se o senhor me mandar ficar com ele (ou com ela) eu vou me matar”. Angustiado com a situação, o juiz aprofundou na análise do caso, com novo estudo psicológico. Mas, enquanto isso, informou o número de seu telefone celular para os garotos, pedindo que telefonassem acaso ocorresse algum problema. “Foi a única forma que encontrei para conseguir dormir com a consciência tranqüila”, relata esse juiz. Após muita atenção, e horas de sono (ou sem sono), o caso ficou bem resolvido.
Uma vez o filho de um magistrado trouxe um desenho feito no colégio. Nele, havia uma mesa e, dela até o teto, uma pilha, que o filho explicou que “são os pocessos” (ele não pronunciara os erres na época). Diante da mesa, havia uma pessoa sentada, olhando para o computador, jorrando suor, aflita, trabalhando sem se dignar a olhar para os lados. Esse era o pai para ele. Alguém escondido atrás de pilhas imensas de processo, aflito por dar andamento aos muitos casos que têm de decidir.
Esses juízes, e estou certo que a maioria deles, são pessoas honestas, bem intencionadas, que erram como qualquer ser humano, que vivem um conflito diário entre o que deveriam fazer e o que efetivamente conseguem para que a justiça se faça. É claro que há os que denigrem a instituição, mas, nesse contexto, seria correto dizer que “A gente mais escrota que existe na face da Terra é juiz”? Ora, se me permite usar da mesma dureza, a gente mais escrota que existe na face da Terra é quem, a pretexto de criticar maus exemplos, coloca bons e ruins na mesma vala comum.

O entrevistado afirma, em determinada ocasião, que “São as instituições que fazem o homem e não o homem que faz as instituições”. Ledo engano. Toda instituição é formada por pessoas, e são elas que, com seus anseios, sonhos e valores a constroem (ou destroem), afinal, as instituições existem para o homem e não o homem para elas. Essa visão, porém, somente a tem quem é capaz de penetrar no coração do homem. E isso não se consegue com generalizações baratas.

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