Há tempos um grande amigo fez um comentário,
sugerindo que eu escrevesse algo sobre o mau exemplo que muitos de nós, pais, no
trânsito damos aos nossos filhos. Dizia ele que observa, com indignação, como
as mães e pais, ao se dirigirem afobados para o colégio , desrespeitam as
regras de trânsito: passam no sinal vermelho, irritam-se com o que segue à
frente porque não excede a velocidade permitida e, quando chegam ao destino,
como se não houvesse outras pessoas além dela (ou dele) no mundo, param em fila
dupla, e os outros que esperem.
Quando nos aventuramos a passar pelo centro de
Campinas, o caos é ainda maior. O pedestre parece ignorar por completo as
regras de trânsito. Faixa de pedestre? Mais parece um tipo de enfeite
carnavalesco, ou qualquer outro tipo de adereço, pois a travessia se faz onde
se quer e como se quer. O semáforo para pedestre também parece um tipo de
luminoso de Natal. É que se passa no vermelho sem qualquer cerimônia e, de
tanto desrespeitá-lo, quando está verde para o pedestre, não se confia, de modo
que espera para ver se o carro vai parar mesmo.
Mas o pedestre não é, nem de longe, o grande vilão.
Ao contrário, é muito mais vítima. Poucos sabem, ou se sabem não respeitam, a
regra do artigo 70 do Código de Trânsito Brasileiro. Diz ela: Os pedestres que estiverem atravessando a
via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem,
exceto nos locais com sinalização semafórica.
Alguém se arriscaria a pisar numa faixa de pedestres e esperar que os veículos
respeitem a preferência de passagem? Penso que a experiência já seria por
demais arriscada num estacionamento de shopping, que dirá então numa via de
grande circulação...
Uma vez, outro amigo me contou um fato que ocorreu
com ele em uma viagem de trabalho que fazia pela Europa. Passeava ele,
juntamente com dois colegas, um italiano e outro finlandês. Era um domingo à
tarde e a cidade estava muito tranqüila. Aguardavam o sinal verde para
atravessar uma rua, diante da faixa de pedestre. Ocorre que não havia
absolutamente nenhum carro, de modo que o italiano iniciou a travessia, apesar
do sinal vermelho. O meu amigo, como bom brasileiro, o acompanhou. O finlandês
os seguiu distraidamente. Ocorre que, em meio à travessia, o finlandês notou
que o sinal estava vermelho e começou a se lamentar indignadamente com os
colegas latinos: “o que vocês fizeram! Eu nunca fiz isso na minha vida!”.
Outro fato aconteceu comigo. Atrasados, levava meus
filhos para a escola. Descendo a avenida, notei que o sinal ficou amarelo. O
tempo era suficiente para parar, mas, com a pressa, acelerei de modo que, em
meio à travessia, o sinal ficou vermelho. Pensei que não havia causado mal a
ninguém com isso. Porém, pouco tempo após, ouvi de minha filha, Maria Clara,
então com quatro anos, a seguinte censura: “Pai, você passou no sinal
vermelho?”. Tentei disfarçar, tentando contornar o mau exemplo: “Será filha?
Acho que não, acho que ainda estava amarelo”. No entanto, ela estuda num
colégio que se esmera de verdade na formação dos valores. Nesse trabalho,
estimula-se o crescimento numa virtude através de um lema. Naquela época, a
virtude trabalhada era a sinceridade e o lema: “Digo a verdade ainda que me
custe?”. Diante da minha relutância em dizer a verdade, ela censurou
prontamente: “Pai, sinceridade. Diga a verdade ainda que custe”. Que vergonha!
Como se não bastasse infringir as regras de trânsito, ainda se tenta disfarçar
o erro, mentido ao invés de ao menos assumi-lo!
Agora que estamos no carnaval, quando nos chegam
tantas notícias tristes de acidentes de veículos, quase todos motivados pela
imprudência de nossos motoristas, façamos a seguinte indagação: como estamos
educando nossas crianças para que sejam responsáveis no trânsito? Afinal,
quando não se há respeito no trânsito, não há, em última análise, respeito à
vida.
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