Em reportagem publicada no dia 11.02.2008, o Correio
Popular relata a comemoração dos 18 anos da instituição Esperança e Vida, que
já é referência nacional pelo serviço prestado aos portadores do vírus HIV. Na mesma
matéria se observa, porém, que a festa estava como que ofuscada com a
possibilidade de a entidade vir a perder uma verba que recebe do Governo
Federal. E o motivo disso seria o fato de se recusar a distribuir
preservativos. O caso nos remete a uma questão muito importante nas relações
entre Estado e sociedade, qual seja, até que ponto o Governo pode impor suas
opções políticas às organizações sociais existentes?
Vivemos numa sociedade pluralista. Já no preâmbulo da
Constituição Federal, estabelece-se como objetivo do Estado Democrático de
Direito a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social. E logo em seguida nossa Lei Maior consagra como
fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político (artigo 1º, inciso
V). Isso quer dizer que não há ideologia oficial, não há religião oficial. Ao
contrário, prepondera a liberdade, conquanto que respeitados os direitos dos
demais, definidos, em sua essência, na própria Constituição da República.
Assim, as pessoas têm a liberdade de se associar para
quaisquer fins lícitos, não podendo o Estado interferir nesse direito, o que
também está assegurado na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XVII). Nas
associações é natural que as pessoas que possuem convicções comuns queiram
difundi-las. Por exemplo, tomemos uma entidade composta por pessoas que
professam o espiritismo e que se reúnem para cuidar de crianças carentes. Nesse
caso, é natural que se esmerem por cuidar com carinho e zelo. Com o tempo, para
aqueles que quiserem, é possível que falem sobre o que pensam, sobre
reencarnação, Allan Kardec etc. Imaginemos ainda que determinados membros de
uma igreja evangélica se associem para fundar uma escola. Será também natural
que, além das matérias obrigatórias, ensinem, para aqueles que quiserem, os
fundamentos de sua fé.
Em qualquer caso, porém, sejam espíritas, evangélicos
ou católicos, hão de fazer o bem ao próximo desinteressadamente. E em o
fazendo, podem propor, jamais impor, que conheçam mais e melhor os fundamentos
de sua fé. Isso em nada viola a liberdade de ninguém, que pode concordar ou
não, e, livremente, aderir ou não.
Sendo assim, o Estado não pode jamais exigir que
essas associações, no serviço que prestam ao próximo, contrariem a consciência
de seus membros. Nesse sentido, é ilegítimo, mais que isso, é manifestamente
inconstitucional exigir para o repasse de verba pública que uma associação
distribua preservativos. Assim como o seria exigir de outra que não o fizesse.
E se me permitem manifestar a opinião, já que vivemos
numa sociedade pluralista, penso que a estratégia utilizada pela associação
Esperança e Vida é muito mais eficaz. Imaginemos que uma criança de três anos
pedisse à mãe uma faca bem afiada para brincar. Se a mãe for uma pessoa forte e
que ama o filho de verdade, dirá a ele: “filho, não vou te dar a faca porque
não é bom para você. Porque eu te amo muito, não te darei ainda que insista e
chore”. Agora pensemos em outra mãe que, para que o filho não “sofra”, entregue
a ele a faca, porém, envolvida num pedaço de borracha. Ora, qual das mães fez a
coisa correta, melhor para o filho?
Algo de semelhante ocorre na questão da AIDS. Para
uma pessoa atendida por uma entidade séria, não dirão àqueles a quem atendem:
“faça sexo seguro, use camisinha”. Dirão cheios de ternura e afeto: “o sexo é
algo maravilhoso. Foi criado por Deus. Com ele, o homem e a mulher cooperam com
Deus na missão nobre de trazer novos seres ao mundo. E exatamente por isso é
que o sexo foi feito para ser praticado entre um homem e uma mulher que se amam
e que, diante de Deus, assumiram um compromisso para sempre”. Mas dirão isso
sem impor, com profundo respeito para com os que pensam de forma diferente.
Mais que isso, não deixarão de dar assistência àqueles que não concordam com
isso. Afinal, o verdadeiro bem é desinteressado.
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