segunda-feira, 17 de março de 2008

Liberdade das consciências, esperança e vida

Em reportagem publicada no dia 11.02.2008, o Correio Popular relata a comemoração dos 18 anos da instituição Esperança e Vida, que já é referência nacional pelo serviço prestado aos portadores do vírus HIV. Na mesma matéria se observa, porém, que a festa estava como que ofuscada com a possibilidade de a entidade vir a perder uma verba que recebe do Governo Federal. E o motivo disso seria o fato de se recusar a distribuir preservativos. O caso nos remete a uma questão muito importante nas relações entre Estado e sociedade, qual seja, até que ponto o Governo pode impor suas opções políticas às organizações sociais existentes?
Vivemos numa sociedade pluralista. Já no preâmbulo da Constituição Federal, estabelece-se como objetivo do Estado Democrático de Direito a construção de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. E logo em seguida nossa Lei Maior consagra como fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político (artigo 1º, inciso V). Isso quer dizer que não há ideologia oficial, não há religião oficial. Ao contrário, prepondera a liberdade, conquanto que respeitados os direitos dos demais, definidos, em sua essência, na própria Constituição da República.
Assim, as pessoas têm a liberdade de se associar para quaisquer fins lícitos, não podendo o Estado interferir nesse direito, o que também está assegurado na Constituição Federal (artigo 5º, inciso XVII). Nas associações é natural que as pessoas que possuem convicções comuns queiram difundi-las. Por exemplo, tomemos uma entidade composta por pessoas que professam o espiritismo e que se reúnem para cuidar de crianças carentes. Nesse caso, é natural que se esmerem por cuidar com carinho e zelo. Com o tempo, para aqueles que quiserem, é possível que falem sobre o que pensam, sobre reencarnação, Allan Kardec etc. Imaginemos ainda que determinados membros de uma igreja evangélica se associem para fundar uma escola. Será também natural que, além das matérias obrigatórias, ensinem, para aqueles que quiserem, os fundamentos de sua fé.
Em qualquer caso, porém, sejam espíritas, evangélicos ou católicos, hão de fazer o bem ao próximo desinteressadamente. E em o fazendo, podem propor, jamais impor, que conheçam mais e melhor os fundamentos de sua fé. Isso em nada viola a liberdade de ninguém, que pode concordar ou não, e, livremente, aderir ou não.
Sendo assim, o Estado não pode jamais exigir que essas associações, no serviço que prestam ao próximo, contrariem a consciência de seus membros. Nesse sentido, é ilegítimo, mais que isso, é manifestamente inconstitucional exigir para o repasse de verba pública que uma associação distribua preservativos. Assim como o seria exigir de outra que não o fizesse.
E se me permitem manifestar a opinião, já que vivemos numa sociedade pluralista, penso que a estratégia utilizada pela associação Esperança e Vida é muito mais eficaz. Imaginemos que uma criança de três anos pedisse à mãe uma faca bem afiada para brincar. Se a mãe for uma pessoa forte e que ama o filho de verdade, dirá a ele: “filho, não vou te dar a faca porque não é bom para você. Porque eu te amo muito, não te darei ainda que insista e chore”. Agora pensemos em outra mãe que, para que o filho não “sofra”, entregue a ele a faca, porém, envolvida num pedaço de borracha. Ora, qual das mães fez a coisa correta, melhor para o filho?

Algo de semelhante ocorre na questão da AIDS. Para uma pessoa atendida por uma entidade séria, não dirão àqueles a quem atendem: “faça sexo seguro, use camisinha”. Dirão cheios de ternura e afeto: “o sexo é algo maravilhoso. Foi criado por Deus. Com ele, o homem e a mulher cooperam com Deus na missão nobre de trazer novos seres ao mundo. E exatamente por isso é que o sexo foi feito para ser praticado entre um homem e uma mulher que se amam e que, diante de Deus, assumiram um compromisso para sempre”. Mas dirão isso sem impor, com profundo respeito para com os que pensam de forma diferente. Mais que isso, não deixarão de dar assistência àqueles que não concordam com isso. Afinal, o verdadeiro bem é desinteressado.

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