segunda-feira, 26 de maio de 2008

Há um direito de mentir?

Há alguns dias presenciei uma conversa entre dois de meus filhos que deixou preocupado. Cuidavam eles dos preparativos para comparecer à olimpíada de jogos radicais, o X-Games, que se realizou no Sambódromo  em São Paulo. Estavam com um problema, pois um deles ainda não possuía R.G., documento necessário para ingressar no evento. A discussão caminhou até que o João Lucas teve uma brilhante idéia: “José, como eu não vou, você vai com o meu documento. As pessoas confundem a gente mesmo, então ninguém vai desconfiar. Mas se alguém perguntar, você não pode esquecer: você é o João Lucas”. O José gostou da idéia: “legal, vai dar certo. Problema resolvido!”.
A minha primeira reação foi a de fazer “um belo discurso”. Felizmente me dei conta a tempo de que isso seria muito pouco eficaz, e então resolvi intervir aos poucos: “João, mas será que está certo isso”. Ele me respondeu de bate-pronto: “Ué, pai, vamos fazer igual a ministra. Ao invés dela pegar o cartão de crédito dela, pegou o do governo. Se alguém desconfiar, o José diz que pegou o meu documento, ao invés do dele...”. Confesso que por essa eu não esperava. “Esse moleque tem apenas dez anos”, pensei, e já me colocou nesse apuro. Como não sabia o que responder, disse apenas: “ela não era ministra”. “Sei lá, pai, mas era uma pessoa importante do governo”, retrucou ele.
De fato, com tanto mau exemplo na vida pública, como podemos ensinar aos nossos filhos que é importante ser honesto e dizer sempre a verdade?
Penso que um ponto importante é ensinar-lhes a distinguir a mentira da discrição, do silêncio sobre assuntos sobre os quais outras pessoas não têm o direito de saber. Por exemplo, se alguém nos pergunta sobre um aspecto da intimidade da vida família, não é necessário que se responda com uma mentira, basta que não se responda. Isso deve ser feito com delicadeza, mas com firmeza se for necessário.
Isso parece óbvio, porém, a diferença entre o silêncio e a mentira não está clara para muitas pessoas. Por exemplo, na semana passada a imprensa noticiou que uma pessoa, que ocupava um cargo importante no governo federal, obteve no STF o direito de se manter em silêncio quando chamado a depor perante uma CPI. Desse fato alguns repórteres concluíram que lhe foi assegurado o direito de mentir. Ora, manter-se em silêncio é um direito constitucional assegurado a todo acusado, e decorre do princípio de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si próprio. No entanto, mentir á algo essencialmente diferente de calar-se. A mentira é sempre imoral e reprovável, ainda que nem sempre seja considerada como um crime para o direito vigente.
A nossa Constituição Federal assegura a todo acusado o direito de permanecer calado, não o de mentir. E dizer que no direito de calar estaria implícito o direito de mentir é o mesmo que dizer que no direito à legítima defesa está implícito o de matar.
Outro aspecto importante, nessa luta por ensinar aos nossos filhos a dizer sempre a verdade, é considerar que não há “mentirinha sem importância”. Uma mentira é sempre uma mentira.
Lembro-me agora do que me contou um grande sujeito. Estava ele com sua esposa e filhos numa cidade turística dentro de um daqueles trenzinhos que fazem uma city tour. Quando passou o cobrador, perguntou-lhe quantas crianças tinham mais de quatro anos, ao que ele respondeu: “duas”. No entanto, a sua terceira filha, toda orgulhosa de ter completado recentemente os seus cinco anos, protestou: “não, pai, eu também já fiz cinco anos, esqueceu?”. O pai, corado de vergonha, respondeu: “Tem razão filha. Toma aqui, moço, falta o dinheiro de mais uma passagem...”.

E nós, como teríamos reagido nessa situação?

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Dia das Mães

Nunca me esquecerei daquela cena. Era uma quinta-feira. Eu trajava aquelas vestes para mim esquisitas que se exigem para entrar no centro cirúrgico do hospital. Apesar de já ter passado várias outras vezes pela espera do nascimento de um filho, naquela ocasião, com o consentimento da obstetra, aventurei-me a assistir ao parto.
O ambiente, que não me era nada familiar, causava-me apreensão. Os equipamentos, a luz forte, o ar sério dos médicos e enfermeiras, apesar do esforço por nos transmitir serenidade, faziam com que eu desejasse que aquilo terminasse o quanto antes e, sobretudo, que tudo saísse bem.
A minha tarefa não era nada fácil. Não posso ver uma gota de sangue sem que me cause um profundo mal-estar. Por sorte, havia um pano disposto de forma que a mãe não visse o que se passava do outro lado, onde os médicos, com extremo zelo e cuidado, se empenhavam em trazer o novo ser ao mundo. Coloquei-me estrategicamente bem ao lado do rosto da mãe, de modo que tampouco eu visse o procedimento. Além disso, estar próximo ao rosto da mãe, transmitindo-lhe segurança, que sinceramente não sei de onde a tirava, é o que melhor poderia fazer naquela situação.
Passados uns eternos vinte minutos, preenchidos de sons de tesouras e de outros instrumentos cirúrgicos, é chegado o grande momento. O bebê é levantado e logo prorrompe o tão esperado choro... Como colocar no papel tão grande emoção?
Mas essa emoção, em breve seria inundada de uma imensa admiração. Aquela que surge quando contemplamos algo que nos encanta, sem que saibamos explicá-la. Aquela criaturinha, ainda suja e assustada, somente interrompe o choro estridente quando é colocada no seio da mãe. O choro é substituído por um gracioso suspiro, mas agora são os olhos da mãe que jorram lágrimas.
Para esses bobalhões, como eu, que observam de fora, fica a sensação de que não entenderemos nunca o que se passa entre ambos. A criança, tão-logo sente o pulsar do coração da mãe, sente-se segura e descansa ali como se nada mais existisse no mundo. E a mãe, chora, chora de alegria, de emoção, de vibração, como se a vida dela não tivesse outra razão de ser que não esperar por aquele momento sublime. A impressão que é dá é que o próprio Deus que concedeu a ela tão grande dádiva ameaça deitar uma lágrima de emoção ao contemplar tão maravilhoso espetáculo.
Eu já havia contemplado aquela mulher em muitíssimas outras situações. Em seu trabalho, em seu estudo, em suas correrias em casa e na rua, em suas brigas contra o relógio. Presenciei, enfim, seus fracassos e seus sucessos. Mas o que eram as suas vitórias diante dessa que ela desfruta agora? A julgar por seus olhos, brilhantes, por seu semblante, feliz, por seus lábios, trêmulos, por suas mãos, ternas, por seu peito, acolhedor, todos os seus êxitos de até então tornam-se nada e menos que nada diante de tão grande dom.
É bem verdade que a maternidade não se limita a esse momento feliz. Virão as noites mal-dormidas, as preocupações, os mil-e-um afazeres de mulher e mãe, enfim, as agruras de um filho adolescente. Mas isso, ao contrário do que muitos pensam, não retiram o sabor de ser mãe. É que você, eu e qualquer outra pessoa que existe na face da terra tivemos a magnífica e insubstituível oportunidade de sermos imensamente felizes, de vivermos, porque uma mãe se dignou a trazer-nos em seu ventre e, a partir dele, trazer ao mundo um novo homem ou uma nova mulher, que somos.
Lembro-me agora de um incidente que me ocorreu na minha infância. Com um pedaço de papelão e uns poucos cabos de vassoura, queria eu construir uma robusta cabana, tal como a do Tarzan. A empreitada não deu certo, é claro. Diante da frustração entrei chorando em casa. Que sorte a minha, eu tinha uma mãe em casa! Com um abraço e uma voz meiga ela me disse que não se preocupasse, pois com persistência eu conseguiria. E, se fosse preciso, que ela me ajudaria nisso.

A casa do Tarzan nunca saiu, mas a paz de espírito e a segurança ficam agora como uma lembrança indelével. E é com essa lembrança que convido o colega a meditar no que seria de nós, no que seria do mundo, se não fôssemos fruto de um amor de mãe. A elas, em seu dia e sempre, um feliz dia das mães!

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Bodas de diamante

Há poucos dias tive a grata satisfação de participar de uma comemoração de 60 anos de matrimônio. Com os passos lentos e cautelosos, como marca dos anos bem vividos, os dois se dirigiram até a frente do local em que ocorria a cerimônia e, um diante do outro, de mãos dadas, renovaram a promessa que há muito haviam feito:
EU, ..., TE RECEBO ..., COMO MINHA ESPOSA, E TE PROMETO SER FIEL...
Não sei o que se passa com o leitor, mas da minha parte tenho de confessar que me emociono muito nessas ocasiões, e é preciso muito esforço para conter as lágrimas. Dessa vez, porém, dei-me logo por vencido e não as contive.
Quantas e quão variadas lembranças se sucedem em nossa mente nesses momentos de intensa emoção! Enquanto contemplo aquele fantástico exemplo de duas vidas bem vividas, detenho-me nas palavras que agora repetem: ... te prometo ser fiel. Quanta alegria e felicidade brotam da fidelidade! E me lembro do que me dizia um grande amigo sobre a fidelidade no casamento.
“É fácil conquistar outras mulheres”, sustentava esse meu amigo. “Se nos dispomos a nos lançar numa nova aventura, cuidamos com esmero da roupa que usamos, trazemos a barba bem feita, o cabelo bem disposto, um toque de um bom perfume... E quando estamos com a pessoa a ser conquistada, cuidamos para parecer gentil, a levamos a um bom restaurante, falamos de coisas que a agrade, demonstramos uma sensibilidade que a encante... Surpreendemo-la com um presente! E, após tanto fingir, é provável que ela cometa a insanidade de pensar que somos sempre assim, que não temos defeitos. E, com isso, dependendo do grau de burrice dela, é possível que obtenhamos êxito nesse intento...”.
“O difícil”, afirma esse meu amigo, “é conquistar sempre a mesma mulher. Ela me viu mil vezes da cara emburrada quando sou contrariado. Todas as manhãs tem o desprazer de entrar no mesmo banheiro que acabei de usar... Com freqüência me vê reclamar do trabalho, do chefe, da empresa, do governo, do frio, do calor, do sol, da chuva... Enfim, ela já conhece todos os meus defeitos! O desafio”, conclui ele, “é fazer com que essa mesma mulher, apesar disso tudo, esteja cada dia mais enamorada de mim. Afinal, com o fácil se contentam os medíocres!”.
Agora tenho diante dos olhos um eloqüente exemplo de que esse meu amigo tem razão. Sessenta anos após esse senhor ainda vibra de alegria diante da esposa. E prossegue: ...NA ALEGRIA E NA TRISTEZA, NA SAÚDE E NA DOENÇA ...
Penso que nessa frase está um dos principais ingredientes do sucesso na vida conjugal, qual seja, saber enfrentar bem os momentos de dor. Mais grave que esquecer o dia do aniversário do marido ou da esposa (o que não deveria ocorrer jamais) é a indiferença com o outro nos momentos de dificuldades. Ao contrário, quando enfrentam juntos, um amparando o outro nos momentos de tristeza e de aflição, o relacionamento sai muito fortalecido. E, ao passar a tempestade, é como se descobrissem agora um amor mais sereno e forte, ainda que menos emotivo e instável.
... AMANDO-TE E TE RESPEITANDO POR TODOS OS DIAS DE MINHA VIDA.
Talvez o grande erro que cometamos com freqüência é o de não dar valor às pequenas coisas que acontecem em nossas vidas. Talvez vivamos esperando grandes oportunidades para demonstrar o que sentimos. Ocorre que as grandes chances nunca surgem, ou, se surgem, são pouco freqüentes. A vida, ao contrário, se desenvolve nos pequenos acontecimentos de cada dia.

Lembro-me agora do exemplo de outro grande amigo. Ele tem um dia fixo para sair e almoçar com a esposa. Certa vez, um amigo dele o convidou para almoçar e tratar de um assunto profissional importante, ao que ele respondeu prontamente: “hoje eu não posso”. “Puxa, não pode por quê?”, insistiu o amigo dele. “É que hoje eu tenho de almoçar com a minha esposa”. E depois completou: “e isso é muito importante para mim”. Talvez sejam detalhes aparentemente pequenos e sem importância como esses os que sustentam uma vida inteira juntos e felizes. Afinal, um edifício também se constrói com milhares de pequenos e insignificantes tijolos.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Carta aos pais

Todos nós, pais, temos acompanhado indignados e com repulsa a atitude insana que levou uma pessoa a atirar uma criança pela janela de um edifício. No entanto, além da indignação, que é natural, talvez assumamos outra postura carregada de soberba, que leva a nos considerarmos o melhor pai ou a melhor mãe do mundo, “afinal, eu jamais atiraria um filho pela janela”, podemos pensar. Mas será que estamos sendo de verdade bons pais? O questionamento é importante, pois, acontecimentos marcantes e dolorosos como esses podem ser oportunidades para uma análise mais profunda e, a partir dela, nos propormos metas de melhora pessoal.
Assim, caros pais, como é o seu relacionamento com o seu filho pela manhã? A primeira frase que ele ouve é um “bom dia, meu amor!”, ou é uma piadinha que o irrita? Ou será um simples “acorda, que estou atrasado (ou atrasada) para ir ao trabalho”?
E no final do dia, como é a chegada a casa? A vinda do pai é motivo de alegria, ou, ao contrário, ao se abrir a porta é como se entrasse uma nuvem negra que carrega e torna tenso o ambiente? Há, por parte de você, pai, um esforço por sorrir, por ajudar a esposa nas tarefas da casa, com o jantar, com a atenção aos filhos, ou, ao contrário, ao final de um dia estressante, sente-se no direito de esparramar-se na poltrona e esperar que os outros o sirvam?
E você, mãe, apesar do cansaço, esforça-se por estar alegre, acolhedora, ou, ao contrário, apenas aguarda o marido chegar para descarregar uma lista interminável de reclamações e lamentações, como se o ouvido do marido fosse uma espécie de receptor de desabafos?
Vivemos num mundo fortemente dominado pelo egoísmo, e é preciso reagir a tempo, sob pena de incidentes dolorosos com o que vivenciamos no momento se repitam com uma freqüência cada vez maior.
As crianças, por sua vez, sedentas de carinho, de afeto, de atenção, reagem de formas muito diferentes, segundo as suas características, quando isso não lhes é dado pelos pais. Umas se retraem, ficam acanhadas, apáticas. Outras, grande parte delas, desenvolvem uma forte rebeldia, que as leva a fazer birras, desobedecer, espernear. No fundo, são formas de dizer: “pai, mãe, eu estou aqui. Dá para sair um pouquinho da TV, do seu trabalho, das suas coisas, dos seus problemas e me dar um pouquinho de atenção?”.
Gostaria de lembrar o fato que certa vez ouvi contar por um amigo. O pai chegou a casa, mal cumprimentou a esposa e os filhos e foi para o escritório para continuar com um trabalho que era muito urgente. Passados uns minutos, o filho, muito acanhadamente, aproximou-se da porta do escritório e disse: “Pai, posso fa...”. “Filho, já disse que tenho um trabalho muito importante, vai deitar que já está na hora”, disse o pai, sem esperar que o filho completasse a frase. O filho obedeceu, porém, passada cerca de meia hora, retornou: “Pai, posso fazer apenas uma pergunta?”. “Fala logo”, respondeu o pai, sem parar o que estava fazendo. “Quanto é que você ganha por hora de trabalho”. O pai ficou meio desorientado, mas, para se livrar logo da importunação, respondeu sem pensar muito: “Não sei, filho, acho que uns R$ 50,00”.
Com a resposta o filho foi para o quarto. Mas agora, curioso com a pergunta, o pai foi até o quarto do filho. Lá chegando, notou que ele tinha várias notas de pequeno valor e um saquinho com muitas moedas. E então o pai lhe perguntou: “Filho, por que deseja saber quanto ganho por hora?”. Então o filho disse ao pai: “É que faz dois meses que estou juntando esse dinheiro. Tenho agora R$ 47,50. Se eu te der o dinheiro, dá para o senhor ficar 57 minutos comigo?”.

Pode ser que nossos filhos não tenham a insistência desse garoto em procurar a nossa atenção. Talvez não seja também somente a preocupação econômica que  nos rouba o tempo que deveríamos dedicar a nossa família. De qualquer sorte, porém, ou nos empenhamos de verdade em estar com nossos filhos, em desenvolver um ambiente familiar sadio, ou descobriremos, mais cedo ou mais tarde, que atiramos o nosso tempo pela janela. Que o gastamos em busca de ninharias e deixamos de lado aquilo que verdadeiramente importa para construirmos a felicidade em nossos lares.