segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Desumanização tecnológica

Na semana passada foi promulgado um decreto pelo Presidente da República que tem como objetivo “humanizar”, pelas empresas que possuem “call centers”, o atendimento telefônico aos usuários. A iniciativa é muito boa. De fato, o avanço tecnológico, embora proporcione a melhoria na qualidade de vida,  lamentavelmente tem, de igual forma, trazido um empobrecimento nas relações entre as pessoas. Mas será que esse problema se resolve exclusivamente por decreto?
Há alguns anos, quando eu ainda cursava o então chamado colegial, um professor de literatura alertava para no futuro o diálogo pessoal se reduziria consideravelmente. Dizia ele, a título de exemplo, que, em poucos anos, seria possível fazer uma compra de supermercado sem trocar uma palavra: haveria um equipamento eletrônico que registraria o preço de cada produto, ao final, o cliente exibiria um cartão, com esse gesto indicando a forma de pagamento, e, em seguida, digitaria a senha e o valor seria debitado diretamente na conta corrente. Com isso,  sairia sem dizer uma única palavra. Lembro-me de que houve uma exclamação geral de descrédito entre os alunos com o exercício de “futurologia” do professor. Com efeito, vivíamos ainda no tempo das etiquetas de preço lançadas nos produtos, cujos valores eram digitados na caixa registradora. No entanto, a situação que hoje vivemos supera em muito o que previu o bom mestre e parece sepultar o bom diálogo pessoal e real entre as pessoas.
Mas o empobrecimento das relações humanas não se dá apenas no diálogo, mas também atinge a afetividade. Isso é muito sensível na educação. Muitos pais pensam que para educar bem, basta que procurem algum colégio que tenha um método eficiente, que esteja todo protegido para que a criança não se machuque e, principalmente, que disponha dos mais avançados recursos tecnológicos. Isso tudo é importante. Porém, não se pode esquecer de que se está diante de seres humanos. E as crianças gostam, mais que isso, precisam de afeto. É necessário que os pais as tomem no colo, que as beijem, apertem, enfim, que sintam com gestos concretos que os pais as amam de verdade, e que esse amor é incondicional, que não depende de suas qualidades, defeitos ou virtudes.
Com relação ao idoso, ao menos no tempo em que vivemos, talvez esse fenômeno seja mais cruel. Isso porque se preocupa em facilitar-lhe a vaga de estacionamento no shopping, no supermercado, que não fique nas filas, que tenha transporte público gratuito. Contudo, qualquer um deles trocaria rapidamente todos esses privilégios por alguns minutos de atenção. Tenho de confessar ao leitor que muito me invejo de um colega e grande amigo que não esconde a satisfação que sente em cuidar com muito zelo e carinho de sua mãe, por sinal, uma adorável senhora.
E o doente? Talvez seja ele quem mais sente esse esfriamento nas relações humanas. É que com o fantástico desenvolvimento da medicina, os equipamentos substituem o longo diálogo e o exame clínico na tarefa de buscar o diagnóstico. Evidentemente, esse fato em si não tem nada de ruim. Ao contrário, a tecnologia avançada em muito tem contribuído para a cura de doenças, outrora incuráveis. Mas não se pode esquecer, contudo, que o doente muitas vezes tem necessidade de que o ouçam com mais atenção, que os seus amigos e familiares se façam presentes nos momentos de dor e aflição. E é hoje muito comum que todos, médicos e familiares, confiem na eficiência dos equipamentos de “última geração” e se esqueçam de que aquele ser humano necessita de um afago, de que alguém sente ao seu lado para lhe contar coisas amenas e alegres e, se possível, que lhe surpreendam com uma guloseima.

Não é necessário que assumamos uma postura saudosista, que tachemos de ruim tudo o que a modernidade trouxe. Contudo, devemos travar uma luta constante para fazer com que esses avanços sejam usufruídos sem prejuízo da saudável relação pessoal de outrora. Não se trata de quebrar o computador, nem de querer voltar à máquina de escrever ou ao carro de bois, mas de redescobrir, neste mundo real que nos cerca, pessoas que têm um coração de carne, que precisam ser fitadas nos olhos, abraçadas, enfim, amadas tais como são. E isso não se consegue apenas com um decreto presidencial.

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