Na semana passada foi promulgado um decreto pelo
Presidente da República que tem como objetivo “humanizar”, pelas empresas que
possuem “call centers”, o atendimento telefônico aos usuários. A iniciativa é
muito boa. De fato, o avanço tecnológico, embora proporcione a melhoria na
qualidade de vida, lamentavelmente tem,
de igual forma, trazido um empobrecimento nas relações entre as pessoas. Mas
será que esse problema se resolve exclusivamente por decreto?
Há alguns anos, quando eu ainda cursava o então
chamado colegial, um professor de literatura alertava para no futuro o diálogo
pessoal se reduziria consideravelmente. Dizia ele, a título de exemplo, que, em
poucos anos, seria possível fazer uma compra de supermercado sem trocar uma
palavra: haveria um equipamento eletrônico que registraria o preço de cada
produto, ao final, o cliente exibiria um cartão, com esse gesto indicando a
forma de pagamento, e, em seguida, digitaria a senha e o valor seria debitado
diretamente na conta corrente. Com isso, sairia sem dizer uma única palavra. Lembro-me de
que houve uma exclamação geral de descrédito entre os alunos com o exercício de
“futurologia” do professor. Com efeito, vivíamos ainda no tempo das etiquetas
de preço lançadas nos produtos, cujos valores eram digitados na caixa
registradora. No entanto, a situação que hoje vivemos supera em muito o que
previu o bom mestre e parece sepultar o bom diálogo pessoal e real entre as
pessoas.
Mas o empobrecimento das relações humanas não se dá
apenas no diálogo, mas também atinge a afetividade. Isso é muito sensível na educação.
Muitos pais pensam que para educar bem, basta que procurem algum colégio que
tenha um método eficiente, que esteja todo protegido para que a criança não se
machuque e, principalmente, que disponha dos mais avançados recursos
tecnológicos. Isso tudo é importante. Porém, não se pode esquecer de que se
está diante de seres humanos. E as crianças gostam, mais que isso, precisam de
afeto. É necessário que os pais as tomem no colo, que as beijem, apertem,
enfim, que sintam com gestos concretos que os pais as amam de verdade, e que
esse amor é incondicional, que não depende de suas qualidades, defeitos ou
virtudes.
Com relação ao idoso, ao menos no tempo em que
vivemos, talvez esse fenômeno seja mais cruel. Isso porque se preocupa em
facilitar-lhe a vaga de estacionamento no shopping, no supermercado, que não
fique nas filas, que tenha transporte público gratuito. Contudo, qualquer um
deles trocaria rapidamente todos esses privilégios por alguns minutos de
atenção. Tenho de confessar ao leitor que muito me invejo de um colega e grande
amigo que não esconde a satisfação que sente em cuidar com muito zelo e carinho
de sua mãe, por sinal, uma adorável senhora.
E o doente? Talvez seja ele quem mais sente esse
esfriamento nas relações humanas. É que com o fantástico desenvolvimento da
medicina, os equipamentos substituem o longo diálogo e o exame clínico na
tarefa de buscar o diagnóstico. Evidentemente, esse fato em si não tem nada de
ruim. Ao contrário, a tecnologia avançada em muito tem contribuído para a cura
de doenças, outrora incuráveis. Mas não se pode esquecer, contudo, que o doente
muitas vezes tem necessidade de que o ouçam com mais atenção, que os seus
amigos e familiares se façam presentes nos momentos de dor e aflição. E é hoje
muito comum que todos, médicos e familiares, confiem na eficiência dos
equipamentos de “última geração” e se esqueçam de que aquele ser humano
necessita de um afago, de que alguém sente ao seu lado para lhe contar coisas
amenas e alegres e, se possível, que lhe surpreendam com uma guloseima.
Não é necessário que assumamos uma postura saudosista,
que tachemos de ruim tudo o que a modernidade trouxe. Contudo, devemos travar
uma luta constante para fazer com que esses avanços sejam usufruídos sem
prejuízo da saudável relação pessoal de outrora. Não se trata de quebrar o
computador, nem de querer voltar à máquina de escrever ou ao carro de bois, mas
de redescobrir, neste mundo real que nos cerca, pessoas que têm um coração de
carne, que precisam ser fitadas nos olhos, abraçadas, enfim, amadas tais como são.
E isso não se consegue apenas com um decreto presidencial.
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