segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Os três erres

Na semana passada tive a grata satisfação de participar na comemoração do aniversário de um jovem adorável, que fazia seus oitenta anos. E tive a oportunidade de conversar com a esposa dele. Também ela mantinha o semblante jovial, aquele que somente as pessoas que encontraram a paz interior conseguem manter. E me contou ela muito satisfeita que em breve completariam sessenta anos de casado. “O casamento é uma coisa boa”, dizia ela, “não sei por que hoje em dia não é mais valorizado”. E depois aconselhou com a autoridade de quem já quase perfaz as bodas de diamante: “O segredo do casamento são os três erres: respeito, responsabilidade e renúncia”. Quanta sabedoria contém esse conselho!
Respeito. Todo ser humano é dotado de uma imensa dignidade, de modo que deve ser tratado com um profundo respeito. Mas tanto mais respeitoso deve ser o nosso relacionamento com aquele ou aquela com quem se decidiu livremente formar uma comunhão plena de vida. Há alguns anos ouvi de um homem, que também tivera a fortuna de manter uma longa e feliz vida matrimonial, contar o segredo desse sucesso: “o segredo do casamento é a educação”. Com essa expressão queria dizer que marido e mulher devem se esmerar por manter cada vez mais a delicadeza no trato. É que as brusquidões, grosserias e frases irônicas vão pouco a pouco apagando a chama do amor conjugal, assim como as cinzas atiradas sobre a brasa ardente destroem o seu brilho e calor.
Responsabilidade. A liberdade é um dos maiores dons que possuímos. Contudo, a liberdade somente é legítima se for exercida com responsabilidade. Somos livres, mas exatamente por isso é que somos responsáveis pelos atos e decisões que livremente tomamos.
Há quem sustente que o casamento é um contrato. Penso que não é exatamente assim. Na verdade, no ato em que é contraído, o casamento é um contrato, pois depende da livre manifestação da vontade dos noivos. Após isso, porém, vínculo matrimonial não tem natureza contratual. Mas, conceitos a parte, podemos estabelecer semelhanças entre o matrimônio e os demais contratos. Em todo contrato há sempre um intercâmbio de bens (ou serviços) entre os contratantes. Por exemplo, na compra e venda, um entrega um bem a outro, e esse retribui com certa soma de dinheiro. Na locação, o proprietário cede o uso de um bem seu e, em troca, recebe um aluguel mensal. Mas e no casamento, que bens (ou serviços) um dos contraentes entrega ao outro? Na verdade não assumem apenas obrigação de entregarem bens ou serviços, mas dão-se mutuamente a si próprios. Com isso, as pessoas que livremente decidiram por se casar assumem essa grave responsabilidade de se doarem a si próprios sem reservas, sem condições.
Renúncia. Eis aqui outra palavra que, ao lado da entrega, parece ensejar forte resistência. Quando a pronunciamos com relação ao casamento, talvez a primeira idéia que vem à mente é a resignação diante dos dissabores e insucessos de um relacionamento difícil. Devemos ponderar que a renúncia não é algo em si bom nem ruim. Ao contrário, depende do que se renuncia e em função do que se exerce essa renúncia. Por exemplo, o atleta não considera como perdido ou como uma bobagem as suas horas de treino por dia, ainda que com isso renuncie a muitas outras coisas prazerosas de que poderia desfrutar. Também a pessoa ambiciosa não mede esforços para conseguir atingir o posto a que se propôs, ainda que isso signifique passar por grandes sacrifícios.
Não há dúvida de que a condição de casado impõe a ambos muitas renúncias. Contudo, essas valem a pena, pois aquilo a que se renuncia são bens muito pequenos e insignificantes, se comparados com as alegrias e felicidades que proporcionam o relacionamento conjugal.

Respeito, responsabilidade e renúncia. Com quais e quanto desses ingredientes temos temperado o nosso relacionamento conjugal?

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A auto-estima na educação

“Eu sei que sou um caso perdido, mas mesmo assim vou tentar ser uma pessoa melhor”. Essa frase foi extraída de uma redação de uma menina de onze anos. Ocorreu que a mãe, sempre muito dedicada e zelosa, num dia em que não estava bem, com excesso de trabalho e preocupações, vendo que a filha ia mal dos estudos, não conseguiu conter o desabafo, e disse à criança: “Eu desisto, você é um caso perdido!”. Quando a mãe leu posteriormente a redação, não conseguiu conter a emoção. No fundo, não queria rotular negativamente a filha, porém, sem saber como agir corretamente, acabou por fazer esse grande estrago.
Essa mãe teve a sorte de ver, ainda que por essa via amarga, que essas frases negativas não são jamais a melhor forma de educar. Mas será que nós, sem nos darmos conta do grande mal que causamos aos nossos filhos (ou aos nossos alunos), também não fazemos algo semelhante? Talvez muitos de nós já tenhamos proferido frases do tipo: “você não tem jeito mesmo”, ou “já te falei mil vezes, mas não adianta nada, parece que entra por um ouvido e sai por outro!”. E, por vezes, o desabafo é mais destrutivo ainda: “você parece o seu pai, deixa tudo jogado pela casa!”, ou “você é igualzinha a sua mãe, não consegue terminar nada que começa!”.
Todos sabemos que não conseguiremos nenhuma melhora nos filhos com frases dessa natureza. Porém, o que muitos ignoram, é que essas frases causam um mal muito difícil de reparar. É que se as crianças ouvem isso do pai ou da mãe, no fundo, pensam elas que têm mesmo os defeitos de que são acusadas e que lhes é impossível mudar. E a crítica ainda é mais grave quando se diz que têm o mesmo defeito do pai ou da mãe. Nesse caso, tanto menos possível será lutar por vencê-lo, afinal, pensarão “se meu pai (ou minha mãe) também é assim!”.
Todo ser humano tem uma necessidade irreprimível de ser e de se sentir amado sendo exatamente quem é. O educador (pai, mãe, professor ...) que ignora isso ou que não o leva em consideração não será eficaz em seu trabalho. As crianças, em especial na primeira infância, necessitam muito de se sentirem queridas. E para isso, não se há de poupar os beijos e os abraços, e que sejam olhadas com atenção e ternura. Sem isso, não conseguem alcançar um desenvolvimento adequado e saudável.
Mas essa necessidade de ser e se sentir amado não é exclusivo das crianças pequenas. Todos nos a temos numa medida muito maior do que pensamos. E os jovens, a quem nos aventuramos educar, também a tem. Evidentemente, a forma com que se manifesta isso será diferente da que manifestamos em relação à criança de dois anos. Mas na essência, há de ser a mesma. Trata-se de interessar-se de verdade por ele ou por ela. Lembro-me de um professor que se aproximou de um aluno, enquanto ele tentava resolver um problema de física, e perguntou-lhe como estava a saúde do pai, que há algum tempo sofrera um acidente. O gesto é pequeno, mas denota uma grandiosidade interior.
Não se trata de ser mole, de “passar a mão na cabeça” diante de qualquer situação. Aliás, não exigir dos filhos (ou dos alunos) é um terrível sinal de que não os queremos bem de verdade. A pessoa omissa em corrigir e em exigir, no fundo, pode ser um egoísta, ou, quando menos, tem uma forte dose de covardia e age assim apenas para não “ter problemas”, para evitar confrontos. No entanto, esses são necessários, pois, do contrário, os nossos filhos (ou alunos) não serão melhores.
Quando tivermos de corrigir nos nossos filhos ou os nossos alunos, o melhor que podemos fazer é iniciar por reconhecer algo que eles fazem bem, começar por um elogio. Porém, devemos estimulá-los a serem melhores em outro aspecto em que ainda não estão bem, mas sempre com um sentido positivo, mostrando-lhes que, se se esforçam, podem ser melhores.

Mas tenhamos todos nós a firme convicção de que, como já disse um grande sábio, “as pessoas, como o vinho, melhoram com o tempo”. De fato, o vinho melhora com o tempo se for armazenado, do contrário, avinagra. Nossos filhos e alunos também serão melhores como pessoas, conquanto bem guardados, ou melhor, bem educados por pessoas que lhes querem bem de verdade.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A condução da família

Diz-se que o casamento estabelece uma comunhão plena de vida. Mas se as vidas do homem e da mulher que se unem em matrimônio se entrelaçam tão radicalmente, é necessário que saibam decidir e sonhar juntos.
Como solução para as crises conjugais, há quem proponha que cada um dos “cônjuges” tenha vida completamente independente, por exemplo, que more cada um no seu apartamento, mantendo-se a “liberdade” para evitar conflitos e para que o casamento “não sufoque a individualidade” de cada um. Ocorre que essa opção, muitas vezes justificada pelo propósito de respeitar a liberdade, na verdade, tem uma acentuada dose de egoísmo, posto que cada qual busca no outro apenas a satisfação de anseios pessoais (sexuais, afetivos etc.) mas sem que haja a mínima disposição de se doar.
Talvez muitos casais não optem por ter cada um o seu próprio apartamento mas é igualmente ruim para o casamento que marido e mulher passem a levar, ainda que inconscientemente, vidas paralelas. É o que acontece quando deixam de ter coisas em comum. Ele tem o seu trabalho, os seus amigos, as suas horas de lazer. E ela, por seu turno, também as suas coisas, das quais ele está totalmente excluído. Isso pode gerar uma indiferença mútua e, com ela, o veneno que mata o amor conjugal.
Mas se as vidas paralelas são um mal para o casamento, também o é aquela situação de total absorção de um pelo outro, sufocante e que impede que cada qual desenvolva a sua personalidade. É que, por mais que as vidas se interpenetrem no casamento, marido e mulher, em alguns aspectos, continuam com suas individualidades. Algumas pessoas, muitas vezes movidas pelo ciúme, tendem a buscar um controle total do que faz e pensa o marido ou a esposa, o que também é extremamente prejudicial para o casamento.
Se pudéssemos descrever graficamente a situação de um casamento ideal, talvez devêssemos imaginá-lo como dois círculos que se interpenetram, mas sem que se reduzam a um círculo apenas e, principalmente, sem que um círculo passe a conter totalmente o outro. Ou seja, em alguns aspectos da vida do homem não podem ter qualquer ingerência da mulher e vice versa. Dentre esses está, por exemplo, o relacionamento da pessoa com Deus, a sua fé, a sua consciência.
Há vários outros aspectos, porém, da vida de ambos, que se inter-relacionam, de modo que as decisões precisam ser compartilhadas. Por exemplo, a escolha do trabalho profissional, a educação dos filhos, a moradia da família. Dentre esses aspectos da vida de do casal que precisam ser compartilhados, no processo de tomada de decisões, também há algumas considerações, conforme as conseqüências que essa decisão acarreta à família.
Assim, se a escolha do trabalho, ou qualquer outra decisão que precise ser tomada, implique mudança de cidade, penso que a decisão deve ser tomada em conjunto. Se os reflexos na família forem menores, por exemplo, a esposa assumir um trabalho que lhe exigirá estar fora de casa algumas noites na semana, talvez a escolha seja exclusiva dela, mas deve consultar antes o marido. Enfim, não há regras fixas, mas o importante é que o casal aprenda a decidir corretamente. É que grande parte dos desentendimentos são decorrência de uma imaturidade na tomada das decisões.
Porém, mais que decidir juntos, é fundamental que marido e mulher aprendam a sonhar juntos. No filme Um Homem de Família, o personagem Jack Campbell (Nicolas Cage) de repente se vê inserido numa família, casado com a antiga namorada, Kate (Tea Leoni). É interessante notar como os desentendimentos surgem, dentre outros motivos, porque não têm sonhos em comum.

O grande desafio que temos para manter sempre jovem o amor conjugal é aprender a sonhar juntos. Talvez um exercício interessante que nos estimule a melhorarmos nisso é cada qual pedir ao outro que descreva como gostaria que fossem as suas vidas daqui a alguns anos. E penso que tanto mais feliz será esse relacionamento quanto maior o destaque que cada qual der ao outro nesse cenário.

Alegrias e desafios da adolescência

Faz já algum tempo que falamos nesta coluna sobre as dificuldades que muitos pais encontram na educação de filhos adolescentes. Naquela oportunidade fizemos como que um breve resumo de um curso muito interessante de que havia participado. Agora que soube, com muita alegria, que o evento se repetirá, penso que seja oportuno retomarmos o tema.
Muitos pais de adolescentes se queixam dizendo: “Meu filho se tornou um preguiçoso, vive agora ‘esparramado’ no sofá a ouvir música”. Alguns lamentam: “Ele está tão rebelde, contesta tudo e a tudo exige explicações”. Os mais ciumentos, cheios de saudades reclamam: “minha filha agora que está se tornando moça nem liga mais para nós, só pensa em ficar com as amigas e de ‘namoricos’”.
Será que são preguiçosos? Não é verdade que o adolescente seja em regra um  preguiçoso. Nessa fase, devido às mudanças hormonais e outros fatores biológicos, é natural que lhes custe mais desempenhar tarefas que exigem esforços. Aliás, aquela vitalidade incansável da criança, que corre de um lado para o outro, sempre solícita a fazer o que lhe pedem, não poderia durar para sempre.
É conveniente, então, sabendo que essa “moleza” surgirá nessa fase da vida, que os pais os estimulem com carinho e compreensão. Não se trata de deixar as coisas correrem, pensando que “logo isso passa”. Se não se fizer nada, não passa não, e terão esse vício para o resto da vida. Mas há que se estimular com um sentido positivo, sem ares de ameaça ou de reclamação, a fazer algum esporte, a estudar, a envolver-se em atividades de serviço aos demais (voluntariado), enfim, a vencer e, sobretudo, vencer-se.
Talvez a crítica mais injusta que se faz contra o adolescente seja a de que é rebelde. A rebeldia em si não é ruim, mas deve ser bem orientada. E se o for é capaz de mudar o mundo. As crianças trazem gravadas na alma um sentido muito forte de justiça. Quando crescem e compreendem um pouco melhor as coisas, passam a notar, com grande decepção, as injustiças, hipocrisias e traições que há nas pessoas. Com isso, seus corações puros tendem a se rebelar. Mas isso se trata de uma reação saudável, conquanto que os estimulemos a transformar essa rebeldia em ações concretas para o bem do próximo, pois somente assim que se constrói uma sociedade mais humana.
Por que incomoda ou intriga que estejam de “paqueras”? Salvo para umas poucas pessoas, que por escolha ou um desígnio qualquer optam pelo celibato, as demais sonham em se casar, em constituir uma família. E para essas, o desejo de dar-se a outra pessoa começa já nessa fase da vida. Dar-se, não no sentido de relação sexual, mas de entrega a alguém com quem um dia se vai formar uma comunhão plena de vida, parafraseando o nosso Código Civil. Assim, está-se a procura desse alguém com quem mereça compartilhar uma vida.
É bem verdade que alguns jovens vivem isso de forma inconseqüente. É momento, então, de orientá-los, fazendo-os enxergar a imensa dignidade que encerra a condição do ser humano, de modo que essa doação a outra pessoa há de ser ponderada, refletida, ainda que tenha como impulso uma forte carga emotiva.
Os conflitos da adolescência são devidos mais aos pais que aos filhos. Afinal, os pais já passaram por essa fase. Portanto, seria muito mais lógico exigir deles a compreensão, o carinho e a atenção de que os filhos tanto necessitam nessa idade.
Mas a solução não é encontrar culpados e sim empreender esforços por harmonizar essa relação. Para isso, muitas vezes os pais de nosso tempo não conseguem empreender essa luta sozinhos. Têm de buscar conselhos em bons profissionais. Têm de estudar e colocar os estudos em prática sobre a educação dos filhos. E convém lembrar que na educação, como em quase tudo, é melhor chegar antes que o problema. Assim, o momento ideal para pensar em como educar adolescentes é quando os filhos estão ainda na infância.

Para os pais que se interessam pelo assunto, ocorrerá em Campinas, no próximo dia 18 de outubro, na UNICAMP, um seminário que terá como tema Alegrias e Desafios na Educação de Adolescentes. As informações podem ser obtidas no site: www.alegriasedesafios.net. Vale a pena conferir.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Exercendo a cidadania

Há um aspecto da democracia que é sempre objeto de questionamentos e debates: o voto obrigatório. E, nos países que, como o nosso, instituem a obrigatoriedade do comparecimento do cidadão às eleições, surge outra questão a essa relacionada, que são os votos brancos e nulos. Afinal, não votar é um direito do eleitor, ou, ao contrário, é uma lamentável renúncia a um direito?
Muitas vezes já ouvi frases azedas do tipo: “não me meto em política, pois não suporto essa sujeira”, ou ainda: “vou votar nulo em sinal de protesto!”. Mas seria legítima essa postura de não participar da vida pública do país com a desculpa de que “todo mundo é corrupto”? Penso que não. Afinal, se vivemos numa democracia, os representantes serão eleitos pelo voto e, se alguns renunciam ao direito de votar, na verdade estão apenas delegando aos demais eleitores seu direito de escolher quem serão os governantes.
O voto nulo jamais poderá ser interpretado com um sinal de protesto. É que, sendo o voto secreto, nunca saberemos se esse voto foi decorrente de um protesto, se derivou da ignorância do eleitor, que não soube digitá-lo corretamente, ou ainda se foi fruto de uma atitude desleixada, em que se optou por anular o voto por não se preocupar em buscar uma escolha certa.
E mesmo que, em alguma eleição em concreto, não se encontrasse alguém que fosse digno de confiança, ainda assim haveria de se atribuir a culpa disso aos próprios cidadãos. Isso porque, se não houver ninguém honesto concorrendo, no que não acredito, por que os homens de bem que têm vocação profissional para isso não se lançaram nessa iniciativa?
Quando um terreno é deixado abandonado, nele somente cresce mato e erva daninha, e o seu aspecto será feio e inóspito. Ao contrário, quando é cuidado por um diligente agricultor, nele crescem e frutificam árvores frondosas e frutíferas. Quando uma praça fica abandonada e escura, é freqüente que seja ocupada por malvados, que vão ali se instalando até que, pouco a pouco, a fazem palco de suas empreitadas criminosas. Ao contrário, quando é bem iluminada e cuidada, e nela se instalam as famílias com as crianças a brincar e conviver, constrói-se ali um ambiente saudável e prazeroso de se estar.
E isso acontece nas várias entidades que existem numa sociedade. Quando os homens de bem descuidam de suas obrigações e covardemente se isolam em seus redutos, pessoas incompetentes, insensatas e inescrupulosas acabam por galgar cargos que jamais poderiam lhes ser confiados.
É, portanto, obrigação grave das pessoas de bem, e que têm vocação profissional para isso, participarem da vida pública. Do contrário, os partidos acabarão por ficar inchados de inescrupulosos e aproveitadores e, por conseqüência, ficaremos mesmo sem escolha.
E essa responsabilidade não se aplica exclusivamente à atividade político-partidária. Na verdade, é necessário que se participe ativamente de todas as entidades que compõem a sociedade: sindicatos, assembléias de condomínio, associações de classe, sociedades de amigos de bairro, conselhos escolares etc.
Tornou-se célebre o caso de um jovem que se perdeu no submundo das drogas. Em uma carta enviada a seus pais, observava ele que entre os “amigos” que o forjaram no vício havia união e cumplicidade, ao passo que entre os pais, desunião e desconfiança. E então concluía ele: “Porque vocês foram fracos no bem, eu agora sou forte no mal”.
Mas não! Não há de ser assim! Ainda não inventaram um melhor regime político que a democracia. Com efeito, nela somente não haverá bons governantes se não houver bons eleitores, ou, pior ainda, se os cidadãos forem omissos e descuidarem da grave responsabilidade que têm de participar ativamente na construção de uma sociedade melhor. E é com esse espírito e propósito que se há de conclamar a todos e a todas a votar, afinal, como ouvíamos com gosto em nossa infância:
Depende de nós
Quem já foi ou ainda é criança
Que acredita ou tem esperança
Quem faz tudo pra um mundo melhor

Depende de nós...

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Transparência na Administração da Justiça

Há algumas semanas a prisão e soltura de empresários e políticos pela Polícia Federal fizeram com que o Judiciário fosse alvo de duras críticas da opinião pública. E a indignação não está tanto no conteúdo das decisões, seja daquela decretou a prisão, seja da que os colocou em liberdade, mas na rapidez com que os presos conseguiram que a questão chegasse ao STF. Com efeito, revelou-se um terrível paradoxo: a instituição que sempre é criticada pela insuportável morosidade, cai agora em descrédito exatamente pela inusitada agilidade.
A Constituição Federal consagra em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei. Em nosso País há inúmeros mandados de prisões expedidos. Muitos desses podem ser considerados injustos, ao menos no entendimento do Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, esses presos poderiam estar seguros de que em 24 horas teriam essas ordens de prisão apreciadas pelo Presidente da mais alta Corte do Judiciário?
É evidente que isso não é possível. Então penso que a sociedade tem o direito de exigir dos que administram a justiça uma resposta clara e convincente a uma dúvida de muitos cidadãos: quais são os critérios que norteiam a atividade do juiz no sentido de dar prioridade a determinados casos em detrimento de outros?
Acredito que todo juiz se vê constantemente diante desse dilema: não sendo capaz de dar prontas decisões a todos os casos, deve escolher quais serão apreciados dentro das horas de trabalho que tem em um dia. Mas quais são os fatores que norteariam essa escolha?
Se há uma virtude que não pode faltar no magistrado é o bom senso. De fato, não dá para se definir com regras rígidas a quais casos deve ser dado prioridade. Apesar disso, a população tem o direito de saber quais são os critérios, até para aferir se são ou não legítimos.
E a busca por tratar com isonomia a todos que procuram pelo Judiciário não pode limitar-se a propósitos genéricos, desses que ficam muito bonitos em obras literárias. Ao contrário, penso que o juiz deve se examinar com freqüência sobre os serviços que presta. Será que se dá mais atenção ao caso que vai sair na imprensa do que àquele entre dois vizinhos sem qualquer expressão? Será que se trata com urbanidade e respeito a todos em audiência e fora dela? Penso que o juiz deve se fazer constantemente esses questionamentos, sob pena de ser engolido pelo volume de processos que todos sabem que está acima de suas forças.
A atuação do juiz não deve estar limitada a “dar a cada um o que é seu”, como se diz na definição clássica de justiça. Deve ele próprio se exigir mais. Há alguns anos, um técnico de futebol, falando ao seu modo aos jogadores de um time amador, tentava estimulá-los a vencer o jogo numa situação difícil: “temos de colocar o coração na ponta da chuteira e vamos lá!”. Talvez seja um pouco disso que as pessoas esperam do juiz, que coloque o coração na ponta da caneta. Que saiba chorar com os que choram, que saiba sorrir com os que sorriem.
Evidentemente, não se espera do juiz uma atitude “sentimental”. Se há um terreno em que não cabe muita emotividade é no ato de decidir um litígio. Mas a racionalidade que deve nortear as decisões não tem nada de incompatível com a postura de se colocar no lugar daqueles que diante dele clamam por justiça.
Esse tratamento digno e isonômico que se espera do juiz não pode depender apenas de sua própria consciência. Penso que o Judiciário, enquanto instituição, deve exigir isso de seus membros. E a população tem o direito de exigir que o Judiciário seja um eficiente prestador de serviço público. É certo que as decisões do juiz não estão sujeitas a esse controle. E, se estiverem erradas, há os recursos que as corrigem. Agora, ao contrário, na administração da justiça devem ser tomadas as medidas que avaliem a sua eficiência.

Neste momento em que a opinião pública questiona, e com razão, a rapidez de umas decisões em detrimento da insuportável morosidade de outras, deveríamos considerar que não é justo que a agilidade das decisões dependa da categoria das pessoas que são julgadas. E essa atitude é tanto menos aceitável na instituição que, por vocação, deve dar a cada um o que lhe é devido.