segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Retrato do coração

Um dia desses um dos meus filhos, de quatro anos, com um brilho de felicidade nos olhos capaz de espantar qualquer tristeza, um sorriso no rosto capaz de enternecer o homem mais duro e passos ansiosos e apressados, veio até mim trazendo um desenho que havia feito. Tratava-se de um coração pintado a lápis com várias cores. E ao se aproximar estendeu a mão e disse: “Papai, fiz pra você”.
O desenho, em si, não tinha nada de extraordinário, continha todas as imperfeições de uma pintura de uma criança de sua idade. Na verdade, extraordinária era a satisfação que ele sentia ao poder me presentear com algo que havia feito. Dava a impressão de que havia colocado o próprio coração no papel para me entregar.
Como que de relance veio-me à mente toda a história da vida daquela criaturinha que agora me fazia transbordar o coração de alegria e ternura. As longas horas que ele passou na UTI neonatal, para além da porta por sobre a qual se advertia: “alto risco”. As angústias e incertezas daquele momento. E depois os momentos em que me deliciava em contemplá-lo na barriga da mãe, os primeiros movimentos, a primeira consulta, quando ainda com poucas semanas de vida já se ouvia o seu coraçãozinho pulsando fortes alentos de vida. Que emoção!
E o coração com que me presenteava tinha um motivo muito especial: a comemoração da semana da vida. Num instante, a imensa alegria que ele me causava pareceu anuviar-se. É que quando se pensa em defesa da vida, é inevitável que venha à mente os ataques que se fazem contra ela. E sem esforço, absorto naquelas considerações, ocorre-me uma indagação cuja resposta não consigo encontrar: como podem querer matar no ventre materno uma criaturinha que, dentro em pouco, muito pouco, quase que num piscar de olhos, se transformará nessa criança que parece não ter outro objetivo que não agradar-me. Ele não pensa nisso, mas em seus olhos pode se ver, para quem os olha com pureza de coração, um agradecimento: “obrigado, papai, obrigado mamãe por me terem deixado nascer!”.
Quando vêm à tona discussões sobre temas polêmicos, como o aborto, as pessoas parecem assumir três posições. Os favoráveis à prática do aborto não são muitos, mas muito bem articulados, sabem agir na surdina, nos bastidores, sempre a espreita de um cochilo e... aprovar. Em outro lado bem oposto, há os que defendem a vida. Também não são muitos, freqüentemente taxados de fundamentalistas, de fanáticos religiosos, mas coerentes com suas posições. E, entre uns e outros, há uma imensa maioria, como que indiferentes. Muitos em tese contrários ao aborto, porém, quando surge o tema, pensam que possuem coisas muito mais importantes com que se preocupar, que essa discussão é sem importância e não os levará a lugar algum.
Depois de muito pensar sobre essa aparente apatia da maioria das pessoas, a única resposta que me parece razoável formular é a que já foi sintetizada num ditado da sabedoria popular: “o que os olhos não vêem o coração não sente”. Talvez por ser um assassinato que ocorre no ventre materno, cuja vítima ainda ninguém havia visto o rosto, que não tem nome, não se dá muita importância. Essa postura, porém, não consegue esconder uma forte dose de hipocrisia. Com efeito, a dor, o sofrimento e a injustiça não deixam de existir somente porque não lhes damos atenção.

Estamos na semana de defesa da vida. Que seja para todos nós ocasião de reflexão e de compromisso. Talvez um jeito muito simples e eficaz de fomentarmos em nós a convicção de que toda vida deve ser vivida e respeitada, pela imensa dignidade que contém, seja olhar para as crianças, ou olharmos para nós mesmos, e pensarmos que já fomos uma única célula, ou um ser muito pequenino no ventre de nossas mães. Porém, não existiríamos, não teríamos essa irrepetível oportunidade de sermos felizes não fosse a generosidade de nossos pais em manter aberta, em seus corações, as portas da vida.

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