segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A crise e o trabalho

Temos observado o noticiário acerca crise financeira mundial. Entendo muito pouco de economia, de modo que qualquer consideração que eu fizesse estaria repleta de “achismos” e em nada contribuiria para compreender o problema. Porém, penso que a partir dessa crise devemos fazer um questionamento: para que serve, ou melhor, o que dignifica o trabalho? E essa indagação talvez nos remeta a algumas outras: a especulação com ações, o comprar e vender freneticamente no afã de lucrar muito, sem nada produzir, contribuem, de alguma forma, para o progresso da sociedade?
Penso que todo homem e toda mulher devem se esforçar por tornar digno o trabalho que exercem. Isso implica dar o melhor de si em tudo o que se faz com a reta intenção de, com isso, construir um mundo melhor. E isso há de se traduzir em atitudes bem concretas de nosso dia-a-dia.
Lembro-me de que, há alguns anos, toda noite dois de meus filhos ficavam na janela do apartamento à espera do caminhão do lixo passar. Quando o lixeiro chegava, podia se contemplar toda a energia e bom humor com que trabalhava. Rapidamente recolhia o lixo do edifício, que não era pouco, e, antes de subir no caminhão, já em movimento, acenava para as crianças e gritava: “tchau nenê!”, ao que eles respondiam com um efusivo aceno de mãos e uma gargalhada de satisfação. Tão importante era para eles cumprimentar o lixeiro que não dormiam enquanto não passava. Penso que esse lixeiro sabe o que significa dignificar o seu trabalho. Não se limitava a recolher o lixo, o que fazia muito bem. Eu mesmo o vi algumas vezes pacientemente recolhendo os resíduos no chão quando o saco se rompia. Mas, mais que isso, enchia de alegria a vida de duas crianças. Tanto assim que, por um bom tempo, um desses meus filhos dizia que quando fosse grande, seria lixeiro!
Além de dignificar o nosso trabalho, nós próprios construímos a nossa dignidade por meio do trabalho. Todo trabalho exige esforços, sacrifícios e renúncias. Ao fazê-lo com valentia, ganhamos a luta contra os nossos defeitos. Muitas vezes custa para o funcionário público atender bem ao cidadão. Porém, se ele vence a preguiça, o mau humor e a apatia, atendendo com cordialidade e atenção, quem ganha com isso é próprio servidor, que cresce enquanto ser humano. Com o tempo, esse esforço por sorrir, por ouvir, por ser solícito, vai forjando no interior do homem e da mulher uma qualidade que torna mais fácil repetir esses atos bons. A porta que se abre com freqüência é bem mais leve ao toque da mão que aquela que se mantém sempre fechada. Assim também é o coração do homem. Quando se mantém fechado em si mesmo endurece e só exala amargura. Ao contrário, quando se abre num serviço desinteressado aos demais, torna-se leve e jovial.
O trabalho bem feito, além de contribuir para a dignidade do próprio trabalho e fazer com que nós próprios alcancemos a plena dignidade por meio do trabalho, com ele podemos ajudar os demais e reconhecer o imenso valor que tem cada ser humano. Vale dizer, podemos contribuir para a dignidade dos demais com o nosso trabalho. Uma pessoa sisuda e carrancuda pode contaminar negativamente um ambiente. Ao contrário, uma pessoa alegre e prestativa eleva o nível do relacionamento. E o bem que ela faz também contagia, até que todos estejam sadiamente contaminados.

Certa vez me contaram a história de um homem, já de idade avançada, que soube estar com uma doença grave. Caminhando por uma praia, dispôs-se ele a meditar sobre a sua existência. Naquele momento, toda a sua vida passou a desfilar diante de si como se fosse um filme. Se isso ocorresse conosco, como seria esse filme? Seria uma sucessão de gargalhadas efusivas com a alta das ações, seguida dos choros da baixa? Seria uma infinidade de “amanhã eu faço isso” para os filhos, para os amigos, para a esposa ou para o marido? Ou, ao contrário, teria muitos gestos de amor, como o do lixeiro, que, com o seu trabalho, vai recheando de alegria e paz esse mundo sedento de um sentido para a vida.

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