Há algum tempo vivemos perplexos com uma espécie de
dragão aterrorizador: a crise. É bem verdade que as pessoas reagem de maneiras
muito diversas aos acontecimentos. Porém, é inegável que ela tem afetado muito
diretamente nossas vidas. Com efeito, estamos vivendo como que num compasso de
espera, adiando muitas das nossas decisões para ver o que vai acontecer. Mas
será que essa é a melhor forma de enfrentarmos esse momento por que passamos?
Afinal, o que podemos ou devemos fazer?
Penso que um primeiro esforço que se há de fazer é
por levar a vida o mais serenamente possível. Não é necessário esperar o
desfecho da crise financeira mundial para se dedicar ainda mais ao trabalho
profissional, a desempenhá-lo ainda melhor, com mais esforço e seriedade, ou
mesmo procurá-lo com mais afinco, acaso se esteja desempregado. Nada impede que
se esmere por criar e fortalecer saudáveis amizades e por ser leal aos amigos.
E tanto menos se justifica que não ser bons pais ou boas mães de família simplesmente
porque o mundo está em crise.
Não se trata de fechar os olhos à realidade. O
administrador público que está diante de uma séria queda na arrecadação de
tributos deve tomar medidas sensatas e, se necessário, enérgicas. O empresário
que se vê diante de uma queda no faturamento deve empreender as ações possíveis
para reverter esse quadro. Porém, não se pode esquecer que a economia existe
para o ser humano e não o contrário. Assim, as medidas a serem tomadas devem
ser fortemente influenciadas por essa finalidade principal: promover a
dignidade da pessoa humana.
Isso implica considerar que o trabalhador não é jamais
apenas um número, nem tampouco um elemento na cadeia de produção de bens ou
prestação de serviços, facilmente descartável quando as contingências
econômicas o exigirem. Uma empresa nunca possui um, dez, duzentos ou dez mil
funcionários. Antes disso, possui muitos seres humanos, no mais das vezes pais
ou mães de família que dependem de um trabalho para o sustento. E necessitam de
um trabalho não apenas para a obtenção de recursos materiais, mas também para
que desenvolvam através dele as suas personalidades e vejam reconhecida também
pelo trabalho de suas mãos a verdadeira dignidade.
É inegável que muitas vezes o empresário terá de
tomar a decisão de demitir, sob pena de levar todo o empreendimento à ruína,
com danos ainda maiores aos outros funcionários e à sociedade como um todo.
Contudo, esse argumento não raras vezes é utilizado para justificar cortes para
manter uma folgada margem de lucro ou manter os privilégios de poucos.
Há poucos dias uma central sindical protestou contra
as ameaças de demissões de funcionários com uma frase que dizia mais ou menos o
seguinte: “por que os trabalhadores devem pagar pela crise? Que paguem os
ricos”. Não concordo com muitas das idéias desses sindicalistas, em especial
porque acredito que a dignidade do trabalhador não precisa aflorar
necessariamente de uma luta de classes. Nem muito menos acredito que seja
saudável firmar posições muito polarizadas e contrapostas entre empresários e
trabalhadores, fomentando uma inimizade tal entre eles como se os interesses de
ambos fossem sempre e inexoravelmente contrapostos. Mas há uma dose de verdade
no questionamento. Se há uma crise e ela exige esforços, é necessário que os
empresários sejam suficientemente transparentes com seus funcionários e,
sobretudo, que estejam dispostos a suportar a sua parcela de sacrifício antes
de simplesmente dispensar seus trabalhadores.
O mundo globalizado nos apresenta inúmeros e complexos
desafios. Nesse contexto, não é possível construir soluções simplistas aos
muitos problemas que esse fenômeno apresenta. Assim, é necessário que se tenham
muito bem claro alguns princípios fundamentais. E que esses sirvam como luzes a
guiar por esses caminhos nebulosos e confusos. Um desses princípios é a
dignidade da pessoa humana. Para quem tem de tomar decisões que influam nas
outras pessoas (e não há decisão que não tenha essa aptidão) deve ter em mente
não apenas os interesses pessoais, mas ponderar em que medida essa decisão pode
ser boa ou má aos demais.
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