segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A crise e a dignidade humana

Há algum tempo vivemos perplexos com uma espécie de dragão aterrorizador: a crise. É bem verdade que as pessoas reagem de maneiras muito diversas aos acontecimentos. Porém, é inegável que ela tem afetado muito diretamente nossas vidas. Com efeito, estamos vivendo como que num compasso de espera, adiando muitas das nossas decisões para ver o que vai acontecer. Mas será que essa é a melhor forma de enfrentarmos esse momento por que passamos? Afinal, o que podemos ou devemos fazer?
Penso que um primeiro esforço que se há de fazer é por levar a vida o mais serenamente possível. Não é necessário esperar o desfecho da crise financeira mundial para se dedicar ainda mais ao trabalho profissional, a desempenhá-lo ainda melhor, com mais esforço e seriedade, ou mesmo procurá-lo com mais afinco, acaso se esteja desempregado. Nada impede que se esmere por criar e fortalecer saudáveis amizades e por ser leal aos amigos. E tanto menos se justifica que não ser bons pais ou boas mães de família simplesmente porque o mundo está em crise.
Não se trata de fechar os olhos à realidade. O administrador público que está diante de uma séria queda na arrecadação de tributos deve tomar medidas sensatas e, se necessário, enérgicas. O empresário que se vê diante de uma queda no faturamento deve empreender as ações possíveis para reverter esse quadro. Porém, não se pode esquecer que a economia existe para o ser humano e não o contrário. Assim, as medidas a serem tomadas devem ser fortemente influenciadas por essa finalidade principal: promover a dignidade da pessoa humana.
Isso implica considerar que o trabalhador não é jamais apenas um número, nem tampouco um elemento na cadeia de produção de bens ou prestação de serviços, facilmente descartável quando as contingências econômicas o exigirem. Uma empresa nunca possui um, dez, duzentos ou dez mil funcionários. Antes disso, possui muitos seres humanos, no mais das vezes pais ou mães de família que dependem de um trabalho para o sustento. E necessitam de um trabalho não apenas para a obtenção de recursos materiais, mas também para que desenvolvam através dele as suas personalidades e vejam reconhecida também pelo trabalho de suas mãos a verdadeira dignidade.
É inegável que muitas vezes o empresário terá de tomar a decisão de demitir, sob pena de levar todo o empreendimento à ruína, com danos ainda maiores aos outros funcionários e à sociedade como um todo. Contudo, esse argumento não raras vezes é utilizado para justificar cortes para manter uma folgada margem de lucro ou manter os privilégios de poucos.
Há poucos dias uma central sindical protestou contra as ameaças de demissões de funcionários com uma frase que dizia mais ou menos o seguinte: “por que os trabalhadores devem pagar pela crise? Que paguem os ricos”. Não concordo com muitas das idéias desses sindicalistas, em especial porque acredito que a dignidade do trabalhador não precisa aflorar necessariamente de uma luta de classes. Nem muito menos acredito que seja saudável firmar posições muito polarizadas e contrapostas entre empresários e trabalhadores, fomentando uma inimizade tal entre eles como se os interesses de ambos fossem sempre e inexoravelmente contrapostos. Mas há uma dose de verdade no questionamento. Se há uma crise e ela exige esforços, é necessário que os empresários sejam suficientemente transparentes com seus funcionários e, sobretudo, que estejam dispostos a suportar a sua parcela de sacrifício antes de simplesmente dispensar seus trabalhadores.

O mundo globalizado nos apresenta inúmeros e complexos desafios. Nesse contexto, não é possível construir soluções simplistas aos muitos problemas que esse fenômeno apresenta. Assim, é necessário que se tenham muito bem claro alguns princípios fundamentais. E que esses sirvam como luzes a guiar por esses caminhos nebulosos e confusos. Um desses princípios é a dignidade da pessoa humana. Para quem tem de tomar decisões que influam nas outras pessoas (e não há decisão que não tenha essa aptidão) deve ter em mente não apenas os interesses pessoais, mas ponderar em que medida essa decisão pode ser boa ou má aos demais.

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