Numa sociedade de consumo e numa democracia é nítida
a necessidade do convencimento. Para vender um produto é necessário convencer o
consumidor. Para obter o voto, é necessário convencer o eleitor. Para fazer
vingar uma mudança da Lei é necessário convencer os parlamentares e a opinião
pública. Assim o convencimento tem se tornado uma arte cada vez mais explorada
e aprimorada.
Sem pretendermos esgotar o tema, poderíamos dizer que
a busca do convencimento pode se dar por duas maneiras: (1) de fora para dentro
das pessoas, através de campanhas ou propagandas; (2) a partir de dentro do
indivíduo, fazendo-o meditar a fundo no assunto.
A primeira costuma se valer de algumas estratégias
próprias: (1) apelo à emoção; (2) busca convencer sem explicar os porquês; (3) normalmente
há um motivo explícito ou implícito, algo que se busca atingir; (4) o indivíduo
não precisa pensar, basta que aceite; (5) freqüentemente não há uma preocupação
com o bem daquele que se busca convencer, mas o objetivo de atingir uma meta.
Tomemos alguns exemplos disso: “Viva o lado COCA-COLA
da vida”. A frase, que vem acompanhada de imagens agradáveis, é recheada de uma
carga emotiva, que denota algo gostoso. Não se preocupa em explicar se essa
bebida é boa ou ruim para a saúde. O objetivo é vender. Outro exemplo: “Brasil,
um país de todos”. Cria-se uma logomarca bem elaborada, que é espalhada em muitos
lugares. Aos poucos isso gera nas pessoas, cada vez menos acostumadas a pensar,
uma idéia mais ou menos do tipo: “puxa, as coisas mudaram para melhor mesmo,
agora é um País de todos!”. Não quero com isso fazer nenhuma crítica ao atual
Governo Federal, e nem àquele refrigerante há anos consumido no mundo todo. É
possível que numa argumentação racional, que busca os porquês, as pessoas
cheguem à mesma aprovação do Governo ou do produto. Quero apenas realçar o
papel dessa estratégia de convencimento.
Lamentavelmente, a questão do aborto vem sendo
tratada mais nessa linha da propaganda que de um debate racional e profundo.
Exemplo disso é a matéria publicada no Correio Popular do penúltimo
domingo, dia 1º de fevereiro. Nela se lançou um verdadeiro slogan: “ABORTO, UMA
QUESTÃO DE SAÚDE”. E o texto vem assim redigido: “LEI brasileira é RÍGIDA e só
permite a interrupção da GRAVIDEZ quando é resultado de estupro ou coloca a
VIDA da mãe EM RISCO. Mas
as estatísticas mostram que entre a legislação e a realidade há um HIATO que,
muitas vezes, provoca DANOS IRREVERSÍVEIS. Nesse cenário, CAMPINAS desponta
como PIONEIRA na orientação preventiva às mulheres”.
Lei e rígida aparecem em destaque. É que rigidez é
tida como algo pesado, ruim, ultrapassado. Com isso, coloca-se uma forte carga
emocional negativa na lei brasileira que pune a prática do aborto. A palavra
interrupção vem sem destaque, para diminuir a carga negativa que teria, por
exemplo, aborto, morte do feto etc. O novo destaque é dado à palavra HIATO, com
isso significando como um vazio, algo que falta. E esse hiato tem causado
“danos irreversíveis” às mulheres, despontando “CAMPINAS” como “PIONEIRA”
nisso. Pioneirismo tem uma carga emotiva forte e positiva, como desbravadores
de uma nova era. E isso convence! A técnica é arrojada e eficaz.
Aliás, é necessário reconhecer que as campanhas
contrárias ao aborto também se valem de uma forte carga emotiva: vídeos
chocantes com fetos sendo abortados, simulação de um diálogo de um embrião que
será abortado com a mãe etc.
Nenhum ser humano consegue atingir a sua plena
realização se não encontrar resposta a uns questionamentos existenciais que
todos nos fazemos: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Que devo fazer para
atingir essa meta? E os grandes temas, como a vida humana e seu início, devem
ser ponderados com igual profundidade: o aborto é algo bom, que contribui para
a plena realização da mulher que o pratica? Uma sociedade que o permite e o
estimula como método de controle da natalidade é, no dizer de nossa
Constituição Federal, uma sociedade mais livre, justa e solidária (artigo 3º,
inciso I)? O aborto é mera questão de saúde da mulher, ou aquela nova vida
merece proteção jurídica e social eficaz?
As campanhas são importantes. Mas não podem suplantar
jamais a capacidade de pensar racionalmente e de os seus destinatários tirarem
as suas próprias conclusões. Do contrário, estaremos a ponto de ruir a própria
democracia, que pressupõe pessoas livres e responsáveis, e não eleitores
(telespectadores, consumidores etc.) dóceis facilmente manipuláveis.
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