Numa manhã estava diante de minha mesa de trabalho, na
qual transbordava um amontoado de papéis, que na linguagem forense se
convencionou chamar de autos (ou processos). E, por manter a imaginação um
pouco solta, ruminava eu a frase que é lema da Campanha da Fraternidade desse
ano: a paz é fruto da justiça.
“Pobres coitados!”, pensei comigo mesmo olhando para a
pilha de processos, “quanto tempo essas pessoas têm de esperar por um simulacro
de justiça!”.
Sabemos que justiça não é o resultado final de um
processo judicial. Nele as decisões, por várias razões, podem ser, como de fato
muitas vezes são, injustas. E isso não necessariamente por culpa dos juízes,
mas também por uma limitação humana. Tomemos o singelo exemplo de uma colisão
de trânsito em que o verdadeiro culpado omite a verdade e não há testemunhas do
fato. Nesse caso, muito provavelmente a vítima não conseguirá provas que lhe
assegurem o direito.
Justiça é, antes de qualquer coisa, uma virtude, que,
se bem vivida, nos leva a dar a cada um o que é seu. Nesse sentido, contribui
para que haja justiça o pai que dá atenção ao filho, a esposa que se dedica ao
marido, o esposo que é zeloso com sua mulher, o trabalhador que se esmera por
realizar um trabalho bem acabado, o empresário que paga salários justos e não
apenas o que está na lei. É que, em todas essas ações, cada um está dando ao
outro o que lhe é devido.
Mas não mudemos o foco. Para as pessoas em geral, a
realização da justiça se dá nesses vários aspectos de suas vidas. Mas e nós,
juízes, como podemos no exercício de nossa função contribuir para que haja
justiça?
Vem-me à mente, intuitivamente, o protótipo de um mau
julgamento. A história é pródiga deles, mas esse é muito significativo.
Refiro-me àquele proferido por juiz Pilatos. Ele sabia da inocência do Réu. Por
isso, sua consciência lhe dizia claramente qual era a decisão justa, pois sabia
que os seus adversários O haviam entregado por inveja. Pilatos queria soltá-Lo.
E por que não o fez? É que havia dentro de si algo mais forte que o movia:
salvar o próprio cargo, manter-se no poder. Ele temia que uma revolta popular
lhe rendesse uma punição do Imperador Romano: a perda do cargo e talvez da sua vida.
E então buscava conter a multidão a qualquer custo. Por isso comete o ato mais
covardemente irresponsável que um juiz pode cometer: lava as mãos.
O juiz não pode se dar o luxo de “lavar as mãos”. Ou
decide de acordo com a própria consciência, ainda que isso implique tornar-se
ele próprio o réu, ou comete a pior das injustiças. Ou se coloca no lugar
daquele cujas ações terá de julgar, ou, ao contrário, decide por vaidade, para
se fazer popular, para se passar por “bonzinho”, ou ainda procurando o caminho
mais cômodo. O juiz não pode buscar o que é mais fácil, mas o que se lhe aponta
como correto por uma consciência bem formada.
Caros colegas, para onde vamos? Somos simplesmente uma
espécie de aniquiladores de processos, empenhados em encher os arquivos
judiciários de papéis, ainda que à custa de injustiças? Ou, ao contrário, somos
pessoas empenhadas em vislumbrar, por detrás desses papéis sujos, seres humanos
que sofrem e choram sedentos por justiça?
Muitas vezes queremos que as pessoas sejam
compreensivas conosco, que saibam que é humanamente impossível decidirmos com
rapidez todos os casos que vêm ter em nossas mãos. De fato, os números dizem
por si sós, é humanamente impossível decidir com prontidão todos os litígios. Porém,
somos nós também suficientemente compreensivos com as pessoas no ato de decidir,
em analisar em profundidade, em saber ouvir, em suma, em procurar ser justos?
A paz é fruto da justiça. Evidentemente a justiça que
se busca não é apenas aquela que nos vem das mãos dos juízes. É muito mais que
isso. Mas há uma grande parcela de responsabilidade nossa, e não podemos
simplesmente “lavar as mãos”.
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