segunda-feira, 30 de março de 2009

Trabalho e família

Há alguns anos atrás o meu filho me mostrou um desenho feito no colégio. Nele havia uma pessoa sentada diante do computador, com cara de aflito e olhando fixamente para o monitor. Sobre a mesa havia um amontoado que ia até o teto. Perguntei a ele: “Filho, o que é isso?”. Ele respondeu-me: “A professora pediu-me que eu desenhasse o meu pai”. “Esse aí sou eu?”, perguntei um tanto quanto decepcionado. “Olha”, disse-se ele apontando para o desenho, “essa pilha aqui são processos que você tem de fazer. Ao lado do computador há um processo aberto e esse é você, suando de tanto trabalhar e querendo fazer cada vez mais para dar conta de tudo isso”. Confesso que foi um susto. De fato não sabia que essa era a imagem que ele fazia de mim.
É comum que os filhos encarem os trabalhos profissionais dos pais como um inimigo, ou, quando menos, como algo que lhes rouba ao convívio familiar. Mas será que deve ser mesmo assim? Será impossível harmonizar o sucesso profissional com uma esmerada dedicação à família? Penso que sim. Porém, isso exige um esforço generoso e sempre renovado.
Não são comuns empregos que exijam explicitamente que o trabalhador permaneça no local de trabalho por mais de oito ou nove horas por dia. Mas é muitíssimo comum que as pessoas trabalhem dez, doze ou mais horas por dia, não porque se lhes exigem que “batam o cartão” por todo esse tempo, mas porque as exigências de metas, tarefas, projetos etc. os obrigam a trabalhar por muito mais tempo.
Mas se essas “horas extras” de trabalho tomam o tempo que deveria ser dedicado à família, deveríamos avaliar bem se não seria possível executar a mesma tarefa, com igual ou mais qualidade e em menos tempo. Isso implica iniciar o trabalho pontualmente, trabalhar com intensidade, sem perdas de tempo com conversas desnecessárias, com a internet ou infindáveis interrupções para o cafezinho... E isso sem contar as fofocas e mexericos, que além de desperdiçar o tempo, contaminam seriamente o ambiente de trabalho. Se nos examinássemos bem, encontraríamos em nosso dia-a-dia muitas ocasiões de perdas de tempo no trabalho que acabam por encurtar o tempo que podemos dedicar à família.
O aproveitamento do tempo também pode ser melhorado em nossa própria casa. Primeiro, esforçando-nos por chegar numa hora determinada. É que se trabalhamos bem, com intensidade e pontualidade, poderemos também parar o trabalho na hora prevista. E ao chegarmos a casa, temos de estar dispostos a uma jornada ainda mais custosa: ajudar os filhos com os estudos, ajudar a esposa com algum serviço da casa, estar atento ao que nos dizem e ao que esperam de nós.
Talvez a melhor forma de aproveitar bem o tempo, seja no trabalho profissional, seja em casa, é colocarmos o foco nas pessoas. E isso não é nada fácil, em especial para nós, homens. É que temos a forte tendência de enxergarmos o nosso dia como uma sucessão de tarefas que temos de realizar: levar os filhos à escolar, terminar um relatório, etc. Porém, se soubermos colocar uma intencionalidade para o bem das pessoas que estão por detrás (ou bem na frente) de cada uma dessas atividades, saberemos dar um sentido muito mais profundo e forte para os imensos afazeres que preenchem nossos dias.
Numa cena do filme Path Adams, os estudantes de medicina estão em companhia do professor diante de um paciente que sofre com uma doença rara, de modo que os alunos vão fazendo várias perguntas ao mestre, até o momento em que Hunter Adams (Robin Williams) faz uma pergunta aparentemente sem importância, mas que deixa o professor desconcertado: “qual é nome do paciente?”. Com essa indagação, deixa claro que os colegas estavam preocupados com a doença e não com o doente.

Talvez aqui esteja a razão mais profunda da nossa constante correria e falta de tempo: é que andamos muito aflitos com as tarefas que nos cabem e, principalmente, conosco mesmos. Se de verdade nos voltássemos às pessoas que dependem de nós em nosso trabalho e, principalmente de nossas esposas (ou maridos) e filhos, descobriríamos que ter ou não ter tempo é uma questão de escolha. E, paradoxalmente, nos fazem muito mais felizes as escolhas que fazemos pelos outros, pois então sequer teremos tempo para inventar problemas pessoais. Simplesmente não teremos problemas pessoais, porque não andaremos ocupados em pensar em nós mesmos.

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