Iniciou-se ontem a Semana Nacional da Família. Ao
contemplar esse tema, vem-me à mente, quase que instintivamente, a recordação
dos domingos da minha infância. O calor intenso já inundava com os primeiros
raios de sol aquela cidadezinha do interior. A vida despertava num ritmo
letárgico. O comércio simplesmente não funcionava, de modo que o cardápio havia
de ser muito bem pensado na véspera. E em meio a esse marasmo brotava no mais
íntimo de cada um uma alegria inexplicável. Após a Missa matinal, o
acontecimento mais esperado parecia dar sentido a tudo: o almoço em família.
É triste contemplar que esse saudável convívio
familiar é pouco desfrutado atualmente. Não se trata de fazer considerações
saudosistas do tipo “antigamente sim era bom”, mas temos de reconhecer que
muito se perdeu da alegria que marcava a vida em família. Nossos
domingos muito se aproximam dos dias normais, com o comércio todo funcionando,
muitos trabalhando, e o lazer, ainda que o desfrutem pais e filhos, muitas
vezes o fazem isoladamente. E por quê?
Penso que o grande mal que assola nossa sociedade é o
hedonismo individualista, que se manifesta na busca do prazer pessoal a
qualquer custo, esquecendo-se por completo do outro, ou, pior ainda, usando do
outro apenas como instrumento para uma satisfação pessoal. E isso ocorre de
forma muito cruel no seio das famílias. Dentre inúmeras outras manifestações
disso, podemos pensar nos pais separados que quase se matam em demandas
judiciais para obter o convívio dos filhos nas datas festivas e nas férias como
se fossem um brinquedinho a aplacar a solidão e, ao contrário, pouco se
empenham na formação desses filhos.
Mas isso não se manifesta somente nas famílias
desfeitas. Aliás, nelas se torna patente algo que se haveria de ter cuidado
antes e que depois se percebe que são a causa da triste separação. Por que se
empenha tanto em que cada membro da família tenha a sua própria televisão no
quarto, o próprio computador onde se jogam fora horas e dias na internet,
roubando-os do convívio com os filhos, pais e irmãos, e isso quando o egoísmo
não chega ao ponto de impedir que haja irmãos...
Num dia frio do mês de julho, as crianças se
deliciavam derretendo marshmellow
diante da lareira. E, de repente, com a naturalidade de quem está muito feliz e
a vontade, passaram a improvisar umas apresentações de teatro. Uns se fizeram
de roqueiros, outras de Cinderela, outros ainda encenaram cenas de filmes
policiais. E depois de tanto riso e diversão foi difícil convencê-los de ir
para a cama. Com efeito, era muito bom estarmos juntos. E nem é necessária a
lareira. Poderia ser – e ouso dizer que seria mais divertido ainda – diante de
uma fogueira improvisada sobre um simples chão de terra...
A família é um lugar em que não cabe o egoísmo. Nela
a felicidade se constrói a custa de sacrifício e esquecimento próprio. Essa
postura, porém, ao contrário do que parece, não nos faz tristes e lamurientos.
A entrega ao outro, por amor, é a maior fonte de alegria.
Soube do que aconteceu num lar que bem ilustra esse
ambiente saudável que se há de viver na família. O filho pequeno, ao contemplar
uma cena de uma pessoa que recebia o café da manhã na cama, disse: “eu nunca
tomei café na cama”. O irmão mais velho, sabendo disso, resolveu fazer-lhe uma
surpresa. No dia do aniversário do irmão, pulou cedo da cama e pôs-se a fritar
ovos, preparar um chocolate quente e tudo o mais que o aniversariante gostava.
E após muito esmero subiu com a bandeja repleta de guloseimas e bem enfeitada.
Após o barulhento “parabéns a você” entoado desafinado pelos irmãos, o pequeno
acordou sem saber ainda o que se passava. Ao notar a surpresa que lhe
prepararam não pode esconder o sorriso de satisfação adornado pelo brilho de
felicidade nos olhos.
O resultado foi que após umas garfadas nos ovos e um
pequeno gole no chocolate tudo veio ao chão. Mas não importa. A paz e a
felicidade na família se constrói com pequenos gestos como esse, ainda que às
custas de uma colcha manchada, ou de uma vidraça quebrada.
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