segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Pai ou amiguinho?

Há poucos meses uma reportagem divulgada no Folhateen relata que é cada vez mais freqüente pais e filhos fumarem maconha juntos. Afora a aberração que é o uso de entorpecente em si, isso revela uma tendência dos pais e das mães de nosso tempo de se colocarem no nível dos filhos, portando-se como verdadeiros adolescentes, pensando que com isso conquistarão a confiança e a amizade deles. Mas será que os filhos esperam isso dos pais?
Talvez nos ajude a responder a essa indagação se considerarmos como são nossas expectativas em relação a um profissional que nos presta um serviço. Quando procuramos um médico, por exemplo, almejamos dele algo que não temos, que é o conhecimento técnico necessário para a cura de uma doença. E a relação que se estabelece entre médico e paciente não é de absoluta igualdade. Ao contrário, o médico possui autoridade para propor o tratamento adequado a que o paciente deve se submeter, ou procurar outro profissional, acaso não atinja um grau suficiente de confiança.
E algo de semelhante ocorre em outras profissões: advogado, engenheiro etc. Espera-se que tenha um conhecimento de seu ofício capaz de desempenhá-lo com eficiência e competência. E imagino que um cliente não teria suficiente confiança num advogado que o atendesse em seu escritório com uma camiseta surrada, jeans rasgado, tênis sujo, mascando chiclete e se expressando por meio de gírias vulgares.
Ser pai e ser mãe é muito mais que uma profissão, mas os filhos têm direito a que essa missão seja exercida com muito mais profissionalismo, eficiência e competência que qualquer ofício.
Nossos filhos têm direito de ter um pai e uma mãe de verdade, que se ocupem da educação deles. Não precisam de mais um amiguinho ou uma amiguinha. Pais que saibam exercer a autoridade no momento e na medida certa. Que respeitem a liberdade e a intimidade dos filhos. Que não sejam autoritários nem que vivam impondo restrições aos filhos apenas na medida em que violem a comodidade e o sossego dos pais. Mas que, sobretudo, sejam fortes o suficiente para dizer não, quando o bem deles o exigir e, mais ainda, que sejam valentes para sustentar suas decisões bem pensadas até o final.
Isso não quer dizer que os pais não possam ser amigos dos filhos, no sentido de que eles se sintam à vontade para lhes abrir a intimidade, revelando seus sonhos e frustrações. Seria muito bom que o pai e a mãe conseguissem contar com a total confiança dos filhos. No entanto, essa amizade há de se estabelecer sem que o pai deixe de ser pai, nem o filho de ser genuinamente filho.
Não se trata, também, de restabelecer uma relação autoritária entre pais e filhos. O pai e a mãe sábios percebem que a melhor ordem é um simples “por favor”, dito com tal delicadeza e com elegante firmeza que se fazem obedecer. E conseguem esse resultado porque o fazem por amor, não por vaidade, comodismo ou qualquer outro motivo que não o verdadeiro bem dos filhos.

Penso que o melhor exemplo de como deve ser a relação entre pais e filhos seja a de um guia que nos conduz numa escalada por caminhos tortuosos e desconhecidos. O guia será aquele que já percorreu o caminho muitas vezes. Portanto, sabe quais são os perigos, o momento de avançar e de retroceder, o de ousar e o de se precaver. E se for um bom guia, estará sempre atento aos passos de quem conduz. Essa é a missão dos pais. Sabem respeitar a liberdade dos filhos e, por conseqüência, deixar que caminhem com os próprios pés. Porém, sabem também que têm a missão de os guiar nos caminhos dessa vida até que sejam suficientemente maduros e, portanto, que saibam guiarem a si próprios. Mais ainda, que um dia sejam eles também pais e mães a guiarem eficazmente seus filhos, nesse ininterrupto e maravilhoso ciclo da vida.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Tempo de paz

Nestes últimos dias do ano, a palavra que mais aparece nas mensagens de Natal é a paz: “Feliz Natal e um Ano Novo repleto de paz e realizações”, “que a paz do Natal inunde cada um de seus dias no próximo ano” etc. Mas para que esse anseio se concretize em nossas vidas, o que é necessário? Como encontrar a tão sonhada paz?
Antes de buscarmos a paz, temos de encontrar o seu verdadeiro sentido. A paz não é a ausência de guerra, nem tampouco depende ela de não se ter problemas. Costuma-se dizer que as nações estão em paz quando uma não está em atacando a outra e respeitando a sua soberania. No entanto, muitas vezes essa aparência de paz está construída sobre a desconfiança e sobre o temor. Cada um se abstém de agredir o outro não em respeito à dignidade dos semelhantes, mas receoso dos danos que possam advir do conflito.
E nós, muitas vezes, construímos a paz no trabalho, na família e em nossas relações sociais sobre bases semelhantes. Por exemplo, quando se está diante do chefe, simula-se um respeito e uma lealdade a ele, mas se faz de forma interesseira, de modo obter uma promoção. Entre os colegas, mantém-se um tratamento externamente respeitoso com o objetivo de ser bem visto pelos demais e manter a posição. Com isso, pode-se até construir um ambiente de aparente paz, por não haver conflitos entre as pessoas. Contudo, basta que haja um interesse econômico em jogo para se jogue tudo isso fora, e então surgem as famosas “puxadas de tapete” que corroem as instituições.
Na família também pode ocorrer algo de semelhante. Coloca-se uma TV exclusiva para cada um, pois assim se evitam os conflitos na escolha dos programas. Cada um com o seu celular, seu computador, sua internet etc. Com isso, evitam-se muitas brigas, é certo. Porém, não chamem a isso de família. São pessoas que convivem juntas por mera conveniência, mas cada uma isolada em seu reduto, imersas no mais cego egoísmo. E não há verdadeira paz nessa casa. Há, quando muito, mera acomodação de interesses.
A paz exige que busquemos a reconciliação com aqueles com quem, por um motivo ou por outro, com ou sem razão, tenhamos nos indisposto. E o tempo de Natal é propício para isso. A proximidade das festas aguça em nossos corações sentimentos de solidariedade que nos movem a querer reatar as relações rompidas. E é muito bom que aproveitemos essa oportunidade. Uma vez perguntei a um amigo como ele se sentia após ter restabelecido a amizade com um irmão com quem há anos não conversava. A resposta foi simples e sincera: “parece que tirei uma tonelada das costas. Caminho agora com a serenidade de quem aliviou um peso imenso que me esmagava”.
Para que reine a paz na sociedade, ela deve reinar antes em nossos corações. E ela somente terá nele a sua morada se encontrar um ambiente propício. É fundamental, nesse intuito, que nos demos razões suficientemente fortes para viver. E não há sentido maior para nossa vida do que doá-la por amor aos que nos cercam, em especial os nossos familiares e amigos.
E quando vivemos assim, a nossa marca será a alegria. E essa, como ensina São Tomás de Aquino, nasce do amor. E o amor tem tanta força “que esquecemos a nossa alegria para alegrar aqueles que amamos”.

Outro dia eu conversava descontraidamente com a minha filha de três anos, quando resolvi aprofundar um pouquinho num assunto. Fiz-lhe, então, uma pergunta: “Filha, você é feliz?”. “Sou”, respondeu ela imediatamente. “Por que você é feliz?”, insisti. “Porque eu te amo muito”, respondeu-me ela. E depois de alguns segundos, ela continuou, como que descobrindo um motivo ainda mais forte para a sua felicidade: “E porque a mamãe gosta muito de mim”. Talvez tenhamos aqui uma possibilidade enorme de buscarmos a paz tão sonhada: imitar a simplicidade de uma criança bem pequena.