Lembro-me de uma frase de um professor do então
colegial que foi suficiente para abalar a fé, ao menos de um imaturo aluno do
ensino médio. Dizia ele: “Deus é uma fuga. O cientista aprofunda na busca do
conhecimento até que, quando chega ao seu limite e não consegue explicar algum
fenômeno, diz simplesmente que isso ou aquilo é assim porque Deus quis”. Mas
será mesmo que a fé e a ciência são coisas incompatíveis e inconciliáveis? Pior
ainda, é a fé um entrave para a ciência e a ciência um obstáculo para a
propagação da fé religiosa?
A frase, ao menos numa análise superficial, é
sedutora. Com efeito, explicar que o mundo, as pessoas e o Universo são como
são porque Deus quis pode justificar uma postura desleixada do cientista. Mas
pode também, se encarada de outra forma, ser um estímulo para o próprio
progresso da ciência. É que, quanto mais se descobrem as perfeições do universo
e dos seres criados, tanto mais se ressalta a perfeição de quem os criou. E
então o bom cientista busca cada vez mais aprimorar os conhecimentos para o bem
da humanidade, sem perder a perspectiva de que, quanto mais avança, mais se
desenha e se faz evidente a sabedoria do Criador.
Isso nos remete, porém, para outra indagação: haverá
limites éticos nessa corrida pelo conhecimento? É evidente que sim. E o limite
está, essencialmente, na dignidade da pessoa humana. Não contribuem para fazer
uma humanidade melhor os inventores das bombas químicas e de outros
equipamentos de destruição em massa, como igualmente não promove a dignidade
humana as pesquisas e a manipulação das células embrionárias humanas. E a razão
disso é muito simples. É que a vida humana é um valor absoluto, perene e
universal, de modo que não é verdadeira ciência a que é feita para destruí-la,
ainda que com o falso pretexto de salvar outras vidas.
A dicotomia entre a fé e a ciência talvez assuma
modernamente uma tensão mais dramática na postura com que as pessoas em geral encaram
as adversidades e a doença. Os avanços tecnológicos são sensíveis em toda parte.
Maravilhamo-nos com eles no setor de transportes, nas
telecomunicações e especialmente na medicina. Com isso, muitas pessoas passam a
confiar na tecnologia como o único recurso para a sua cura e também para as
livrarem de toda sorte de dor e sofrimento. Mas também aqui a contradição entre
Deus e a ciência é apenas aparente, embora muito se insista, em minha opinião
de má-fé, em sustentar o contrário.
É fantástico que a medicina tenha evoluído e a
tecnologia muito contribua não apenas para salvar milhares de vida, mas também
para permitir que se viva com dignidade por mais tempo. Contudo, a tecnologia
não conseguirá jamais eliminar o sofrimento das pessoas nem impedir o que é
absolutamente inevitável: a morte. Qual seria, então, o equilíbrio?
Penso que o vice-presidente da República, José de
Alencar, nos deu uma lição fantástica que merece ser meditada. Evidentemente
que ele foi tratado de sua doença com o que há de mais moderno na medicina, e
ansiamos pelo momento em que isso esteja disponível a todo cidadão brasileiro.
Mas depois de se valer de todos esses recursos tecnológicos, disse ele de si
para si em voz alta, para que todos nós pudéssemos aprender do seu exemplo de
fé bem vivida: “Se Deus quiser me levar, Ele não precisa de câncer. Se Ele não
quiser que eu vá, não há câncer que me leve”. Alguém já imaginou alguma
quimioterapia mais maravilhosa para curar as doenças da alma?
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