segunda-feira, 14 de junho de 2010

A Religião e o Estado

Na última quinta-feira os cristãos católicos comemoraram a festa do Corpus Christi. Em todo o País foram celebradas Missas em espaços públicos, com grandes concentrações de pessoas, que também tomaram as ruas e praças em longas procissões, em que os fiéis manifestam publicamente a sua fé. Ao contemplarmos esses fatos, talvez possa surgir uma indagação: o feriado nacional ou a ocupação dos locais públicos para essa finalidade é possível num Estado laico?
De fato, a nossa Constituição Federal, em seu artigo 19, inciso I, institui o princípio da separação entre o Estado e as entidades religiosas. Com isso, o Poder Público não pode estabelecer cultos ou igrejas, sustentá-las com recursos públicos, como também não pode impedir que funcionem livremente. Evidentemente, se essas entidades prestam algum serviço público relevante, podem ser apoiadas pelos Estado, inclusive com recursos públicos. Por exemplo, imaginemos que uma comunidade espírita, ou evangélica, ou católica mantenham uma escola ou uma creche que atenda a crianças carentes. Nesse caso poderão receber verbas públicas para essa finalidade. Não poderão, contudo, usar dessa verba para manter seus ministros enquanto tal, nem para prover com as despesas do templo ou local de reuniões.
Aliás, para os cristãos, essa separação está também disposta na sua “Lei Maior” que são os Evangelhos: as autoridades mandaram alguns fariseus e alguns partidários de Herodes, para apanharem Jesus em alguma palavra. Quando chegaram, disseram a Jesus: “Mestre, sabemos que tu és verdadeiro, e não dás preferência a ninguém. Com efeito, tu não olhas para as aparências do homem, mas ensinas, com verdade, o caminho de Deus. Dize-nos: É lícito ou não pagar o imposto a César? Devemos pagar ou não?” Jesus percebeu a hipocrisia deles, e respondeu: “Por que me tentais? Trazei-me uma moeda para que eu a veja”. Eles levaram a moeda, e Jesus perguntou: “De quem é a figura e inscrição que estão nessa moeda?” Eles responderam: “De César”. Então Jesus disse: "Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E eles ficaram admirados com Jesus (Mc, 12, 13-17).
Com isso, estabelece-se as bases de uma verdadeira separação. O Estado não deve se intrometer nas entidades religiosas, e essas não devem intervir em questões temporais mutáveis e relativas.
Nesse sentido, penso que os líderes religiosos, ao ensinarem seus seguidores, podem legitimamente condenar ideologias que forem contrárias às suas convicções, ou mesmo orientar seus membros a agirem na vida pública e exercerem os direitos de cidadania de forma coerente com o que crêem. Não é legítimo, porém, que tenham partido oficial ou que apóiem abertamente esse ou aquele candidato, numa espécie de mensagem subliminar: “votem nele em nome de Deus”. Isso seria um abuso do poder religioso e é de se lamentar que a legislação eleitoral não proíba essa prática.
Estado laico não se confunde, contudo, com um ateísmo imposto nem implica que a religiosidade deva estar trancafiada na esfera estritamente privada, como se os cristãos devessem voltar às catacumbas, por exemplo. Manifestar publicamente a fé é um direito natural e o Estado, sem firmar vínculo com nenhum dos credos, deve facilitar e promover essas iniciativas, na medida em que promovam a dignidade da pessoa humana.

Não há qualquer ofensa aos princípios constitucionais que se permita que se monte provisoriamente numa praça pública uma feira do livro espírita, que uma comunidade evangélica faça uma encenação numa praça ou que os católicos lotem as ruas em procissão. São legítimas manifestações públicas da fé de um povo que podem ser facilitadas pelo Poder Público, conquanto que sejam pacíficas, respeitem os que pensam diferente e, acima de tudo, que estejam a serviço da construção de um mundo mais humano, onde reine a justiça e a paz para todos.

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