Recentemente
recebi um correio eletrônico de certo candidato com a seguinte mensagem, ainda
que com outras palavras: “se você é católico de verdade vote em mim”. Isso me fez
lembrar de um fato ocorrido quando ainda era Juiz Eleitoral. Naquela
oportunidade, recebi a denúncia de que um certo ministro religioso, enquanto
pregava aos seus fiéis, incitava-os a votarem em determinado candidato. Seriam
corretas essas condutas durante o processo eleitoral?
Não
pretendemos abordar o assunto estritamente sob o enfoque da legislação
eleitoral, mas à luz do princípio da separação entre as entidades religiosas e
o Estado.
Penso
que o ministro de qualquer entidade religiosa deve ser uma pessoa que orienta
os seus fiéis a buscar um sentido transcendente para as suas vidas. Prega e
ensina, segundo as suas convicções, quem seria Deus, como se pode buscá-Lo e amá-Lo
e também quais seriam os caminhos a serem trilhados para esse fim. Deve
fazê-lo, contudo, com profundo respeito à liberdade de cada um, pois o homem é
essencialmente livre e não há verdadeira religião se não promove a liberdade
humana, inclusive no sentido de que somente se pode buscar a divindade se o
fizer livremente.
Nesse
sentido, é legítimo que denunciem políticas que contrariem frontalmente suas
convicções. Mais ainda, devem orientar seus membros a não votarem em políticos
desonestos ou adeptos de programas de governo contrários à dignidade humana. De
igual modo, podem orientar seus fiéis a, sem renunciar à liberdade que possuem
no exercício do direito do voto, escolherem candidatos comprometidos com os
mesmos ideais.
É
inaceitável, porém, que um ministro de qualquer entidade religiosa misture o
culto e a atividade de formação com campanha declarada a qualquer candidato. É
que, nesse caso, soaria nos ouvidos dos fiéis uma mensagem mais ou menos do
tipo: “vote nele em nome de Deus”. Ora, ele não possui essa autoridade. É que a
escolha, ainda que norteada por uns critérios fundados numa crença religiosa, é
sempre um ato pessoal, que toca diretamente na consciência de cada um.
Tampouco
é de se prestigiar alianças, declaradas ou veladas, entre entidades religiosas
e partidos ou candidatos. Embora se valha do pretexto de eleger políticos que
respeitem as convicções de seus fiéis, ou mesmo que aprovem leis que não sejam
contrárias a elas, no mais das vezes essas alianças possuem nítido propósito de
conquistar um poder político, meramente temporal.
É
curioso notar que muitos arautos da construção de um Estado laico não se
insurjam contra essa ilegítima tentativa de tomada do poder político por
entidades religiosas e, ao contrário, cobrem a todo instante de governantes,
parlamentares e magistrados que sejam neutros no exercício de suas funções. Ou
seja, exigem que deixem sua fé dependurada do lado de fora de onde exercem seus
cargos.
Isso,
porém, não é legítimo exigir-lhes. Por exemplo, um parlamentar cristão pode e
deve votar contra qualquer tentativa de legalização do aborto porque viola o
direito à vida e atenta contra a dignidade da pessoa humana, sobretudo da
própria mãe que o faz. De igual modo, um magistrado ao decidir questões dessa
natureza não conseguirá se despir de sua fé, como se, no ato de julgar, pudesse
inserir um chip em seu cérebro que o
faça esquecer de tudo o que aprendeu em sua igreja, em sua escola ou em seu
lar. Aliás, tampouco o ateu ou o agnóstico se despem de suas convicções
materialistas no ato de decidir. É bem verdade que não seria razoável
fundamentar uma sentença em versículos do Evangelho e não na lei legitimamente
aprovada no País. Mas pode-se e deve-se fazer uma leitura dessa lei de acordo
com a sua consciência.
Não
é necessário que os cidadãos abandonem suas convicções ou ajam de forma
contrária às suas consciências para que, numa democracia, se construa um Estado
laico: ao contrário, a perversão ou supressão das consciências deforma a ordem
social. Mas é de extrema importância que as entidades religiosas tenham bem
claro qual é o seu âmbito de atuação, seja para não violarem a legítima
liberdade de seus membros, seja para não se converterem elas próprias em meros
instrumentos para se galgar um mero poder político e temporal.
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