Durante uma viagem, fui parado por um policial
rodoviário que, em inspeção de rotina, solicitou-me os documentos. Minha filha,
então com 6 anos, perguntou: “Pai, por que o guarda quer ver os documentos?”.
“Para verificar se está tudo em ordem”, respondi enquanto vasculhava na bagunça
do porta-luvas. “E está?”, insistiu ela. “Sim, está, filha, mas estou começando
a ficar com receio de ter esquecido o documento do veículo”, disse-lhe já
começando a ficar apreensivo com a situação. “Bem, então diga a ele que está
tudo certo e vamos embora”. Por um instante pensei ordenar que se calasse, mas
o fato é que a sua simplicidade arrancou um sorriso do policial. Achei os
documentos, que estavam em ordem e, após, analisá-los, o gentil policial nos
permitiu prosseguir a viagem.
Passado algum tempo, aquele incidente
voltou a me intrigar. Será absurdo o raciocínio da criança? Ou melhor, seria
possível viver numa sociedade em que basta a palavra dada, sem a necessidade de
prova disso, certificado daquilo, reconhecimento de firma por autenticidade
etc.?
Um fator essencial para a vida em
sociedade é a confiança que o indivíduo pode depositar nos demais. Se estou no
trânsito e encontro um sinal verde, tenho de confiar que os que trafegam pela
via transversal irão a minha preferência de passagem. A mulher que obteve do
marido a promessa solene de fidelidade, respeito e amor deve estar certa de que
o esposo se portará tal como prometeu, assim como ele pode alimentar a mesma
expectativa em relação a ela. A criança que é atirada ao alto pelo pai confia
que ele não vai deixá-la se arrebentar no chão. Em todas essas situações, e em
muitíssimas outras de nossas vidas, sabemos o quão dolorosas são as
consequências que advêm de não termos cumprido os compromissos assumidos.
A desconfiança torna a vida
extremamente difícil e complicada. Ouso dizer que é ela uma das maiores causas
da burocracia na Administração Pública e também em muitas instituições
privadas. Exige-se prova disso, certificado daquilo, comprovante de residência,
de vacinação, de matrícula etc.
Os pais e os educadores em geral devem
aprender a formar pessoas fortemente comprometidas em dizer a verdade e em
honrar os compromissos assumidos. Conheço uma família que tem como regra que
qualquer erro do filho, por mais grave que seja, é muito atenuado com o pronto
reconhecimento. Ao contrário, a mentira para tentar acobertar uma má ação é
considerada uma falta gravíssima, muito pior que o mal que se pretende ocultar.
Penso que esse critério educativo é muito digno de ser imitado.
Mas para se educar a dizer a verdade, é
necessário demonstrar confiança. A desconfiança estimula e mentir. “Por que
dizer a verdade se quando a digo não confiam em mim?”, queixou-se certa vez um
adolescente. Ao contrário, é um peso enorme para um filho ou um aluno quando
ouvem essa palavra: “se você está dizendo, eu acredito, pois confio de verdade
em você”. Assim agindo é possível que, por vezes, sejamos enganados. Mas o mal
que isso causa é infinitamente menor que o produzido pela desconfiança. E se em
alguma vez os surpreendermos em uma mentira evidente, então será o caso de
agirmos com rigor, fazendo-os ver que a sinceridade é essencial na família, na
sociedade e em qualquer outro ambiente em que se desenvolvem as relações
humanas.
A confiança estimula a sinceridade e
essa alimenta aquela, num fantástico círculo virtuoso. É hora de começarmos a
implantá-no em nossas famílias, em nossas escolas e em nosso local de trabalho.
Com isso vai se armando uma verdadeira corrente em que podemos estabelecer
expectativas em relação aos demais, ao mesmo tempo em que cada um também se
esforça por corresponder às legítimas aspirações que os outros fazem a nosso
respeito. Talvez com isso se chegue um tempo em que bastará a palavra para que
o policial acredite que está tudo em ordem. E mesmo que esse dia tarde em chegar,
vivemos muito melhor agindo assim, simples e fortemente comprometidos com a
verdade.
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