Acendeu-se no bojo da campanha eleitoral o debate
sobre a questão da descriminalização do aborto. Talvez temendo perder votos, ou
com o propósito de angariar a simpatia dos eleitores cristãos, ora vemos os
candidatos participando com aparente piedade da Santa Missa, ora vemo-los
beijando um crucifixo bem ostensivamente sob o brilho dos flashes fotográficos e da curiosidade dos repórteres. Mas será que
o tema do início e do fim da vida humana deve estar atrelado à crença
religiosa? Não seria a vida um valor em si, independentemente da fé ou mesmo de
concepções filosóficas?
Penso que as grandes questões que se apresentam como
relevantes para a sociedade haveriam de ser discutidas sob uma perspectiva
humanística. E para que seja verdadeiramente humana, deveriam abordar aspectos
de fundamental importância e que se traduzem nas grandes indagações que todo
ser humano se faz em determinado momento de suas vidas: quem sou eu? De onde
vim? Para onde vou? Da resposta a esses questionamentos é que afloram as nossas
convicções mais profundas. Dentre elas, o início e o fim da vida humana, com a
consequente tutela jurídica que lhe deve ser dispensada.
O atrelamento de conceitos à religião é
frequentemente utilizado com técnica muito eficaz de manipulação da opinião
pública. Tomemos um exemplo de como isso ocorre. Alguém poderá desenvolver essa
linha de raciocínio: “sou católico e, como tal, sou contrário ao aborto. Porém,
o Estado é laico e não pode sofrer influências de qualquer religião. Portanto,
deve ser legalizado o aborto”.
O argumento é malicioso, porém, no mais das vezes,
nos passa despercebido. Primeiro apresenta a defesa da vida ou a condenação do
aborto como algo inventado pela Igreja Católica, semeando subliminarmente a
ideia de que se trata de algo válido exclusivamente para os adeptos dessa
religião. Depois de atrelar o tema à religião, vem a segunda premissa, qual
seja, que todos temos a liberdade de crença. Com isso, vem a conclusão de que não
se pode impor a todos algo que é exclusivo de uma ou de algumas religiões.
Se não estivermos atentos, ou melhor, se não nos
dispormos a pensar no assunto, o manipulador, que não tem preocupação alguma em
explicar mas apenas de lograr a sensação de ter ganho a discussão, faz com que
aceitemos seus argumentos falaciosos sem qualquer questionamento.
Acontece que o valor da vida humana não está
vinculado a qualquer religião. Trata-se de um bem em si, que decorre da própria
natureza do homem e da mulher e tem como fundamento o princípio da dignidade
humana, seja qual for a crença religiosa.
O mundo acompanhou emocionado o resgate dos mineiros
no Chile que se mantiveram presos em galerias subterrâneas por longos 70 dias.
E por que? Penso que porque, dentre outros motivos, a vida humana é um valor
universal. Por certo não devem ter faltado críticos a dizer que com os milhões
de dólares gastos na operação poderiam ser construídos muitos hospitais,
escolas, casas populares etc. Mas não interessa, são trinta e três vidas. Uma
só delas possui um valor infinito. E por que não o tem aquele coração que pulsa
no ventre materno? E por que se há de encurtar os dias dos chamados pacientes terminais? Para lhes
dar uma morte digna? Não seria uma morte digna aquela que ocorre no seu tempo
natural, mas cercada de carinho e de atenção dos familiares, dos médicos, dos enfermeiros,
inclusive com medicamentos que atenuem o sofrimento?
Não dou a resposta a esses questionamentos porque não
pretendo usar a mesma arma do manipulador. Que pense o leitor de verdade no
assunto e por certo encontrará a resposta numa lei natural e universal gravada
em cada coração e que pode ser lida com a voz de uma consciência bem formada.
Essa lei não foi escrita por Papas, Pastores evangélicos ou por Ministros de
quaisquer religiões. Já nascemos com ela e só não a vê quem não quer.
Para os que se interessam pelo aprofundamento no
assunto sob uma perspectiva científica, ocorrerá em Campinas, no próximo dia 6
de novembro, das 8:45 às 12:30, no Auditório da Biblioteca Central da UNICAMP, um
seminário que terá como tema Bioética
hoje. As informações podem ser obtidas no endereço eletrônico: seminario.hoje@gmail.com ou pelo
telefone (19) 8124-8090. Vale a pena conferir.
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