segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O poder da religião

Nesses dias que antecedem à votação em segundo turno para as eleições presidenciais tem sido recorrente o apelo a convicções religiosas na busca pelos votos dos eleitores.
Buscando evitar confusões ou mesmo esclarecer a população quanto a eventuais abusos cometidos nesse intento, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no último dia 8 de outubro, divulgou uma nota oficial na qual lamenta que “o nome da CNBB - e da própria Igreja Católica – tenha sido usado indevidamente ao longo da campanha, sendo objeto de manipulação”. No mesmo documento fica ressaltado que a entidade não indica nenhum candidato, e recorda que a escolha é um ato livre e consciente de cada cidadão.
Ao final, os dirigentes da CNBB exortam os fiéis católicos a terem presentes os critérios éticos, entre os quais se incluem especialmente o respeito incondicional à vida, à família, à liberdade religiosa e à dignidade humana.
Em que pese ressaltar que não se apoia qualquer candidato, seria correto que entidades religiosas se posicionem sobre certos assuntos, como o aborto, por exemplo, e aconselhem os seus fiéis a não votarem em candidatos que pretendam a sua legalização? Não seria isso, também, uma violação à liberdade dos cidadãos que professam essa fé?
Penso que não. Independentemente de qualquer religião, todo ser humano nasce com uma lei natural gravada no seu coração. A consciência de cada um se projeta diante das inúmeras situações concreta, mas à luz dessa norma ética.
Assim, quando uma entidade religiosa aconselha os seus fiéis a agirem conforme essa lei natural em determinados assuntos concretos não se viola a liberdade de seus seguidores. Ao contrário, orienta suas consciências para que ajam de modo a promover a dignidade da pessoa humana. Aliás, contrariar essa norma ética implica o maior fracasso que o homem e a mulher podem experimentar, pois, agindo contrariamente à sua natureza, em última análise, não conseguem encontrar a própria felicidade, simplesmente porque a procuram onde ela não está.
Quando se orienta a defender a vida e se exige coerência do cidadão na sua legítima atuação na vida pública, a entidade religiosa busca, ao menos diretamente, orientar a consciência de seu fiel, buscando o seu bem em si. O efeito geral dessa atuação, como a aprovação de leis justas e promotoras da dignidade humana, por exemplo, ainda que boas e também almejadas, é como que um efeito ou uma consequência dessa atuação, mas não o fim primariamente buscado com essa orientação.
Em suma, o magistério que tais entidades exercem não pode ter como escopo alcançar uma espécie de articulação política que faz de seus fiéis meros instrumentos para que suas convicções prevaleçam no parlamento, no executivo, nas decisões judiciais e no poder público em geral. Esses ensinamentos têm como destinatários pessoas livres e visam orientá-las a buscar a plena realização, ainda que essas, agindo na vida pública de forma coerente com as suas convicções, aprovem leis, façam projetos e implementem ações que de fato promovem a dignidade da pessoa humana.

Talvez nos ajude a entender melhor o assunto se pensarmos na função de um guia de alpinismo. Nenhum aprendiz ousará dizer que as suas instruções são inúteis ou que as cordas a que se mantêm atados tolhem a liberdade. São elas que o mantém vivo e são os ensinamentos que orientam a escalada. Sem isso, muito provavelmente se acabaria tragicamente num precipício. Uma entidade religiosa que pretenda ser autêntica promotora da dignidade humana tem muito que se inspirar nisso. Não pode amordaçar os seus fiéis em questões que são opináveis e sejam várias as soluções possíveis. Mas não pode, também, se omitir nos assuntos em que esteja em jogo a vida de seus fiéis, a saúde moral da sociedade em que estão inseridos e, em última análise, o bem da humanidade inteira.

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