segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A alegria

Nesta semana, gostaria de falar um pouco sobre a alegria. Enquanto esboçava o artigo, a minha filha, Gabi, de 9 anos, ofereceu-se para ajudar. Achei a idéia interessante, pois ninguém melhor que as crianças para falar sobre algo que lhes é tão natural e peculiar: a alegria.
“A alegria é um sentimento forte e muito legal de se compartilhar com as outras pessoas”, começa ela dizendo. De fato, talvez já tenhamos a oportunidade de conviver com alguém que age como semeador de paz e alegria. Quando o clima está tenso, sempre encontra um meio de aliviar as tensões. Sabe encarar os acontecimentos bons e as adversidades com serenidade. Habitualmente espalha bom humor por onde passa com seu jeito afável de cumprimentar e de se interessar pelos outros. Quando nos deparamos com uma pessoa assim notamos como é bom estar em sua companhia.
“A alegria é uma coisa muito saudável para todo tipo de pessoa, principalmente aquelas que vivem emburradas e não ficam alegres com nada, nem mesmo quando os pais tentam fazer algo legal para elas, sempre pensam que falta alguma coisa e, com a cara feia, estragam o passeio dos outros”, prossegue ela. É verdade. A alegria faz bem para a saúde. É comprovado pela ciência que quem está habitualmente alegre apresenta menos doenças que aqueles que vivem dominados pelo estresse ou pela tristeza.
Estar alegre é um dever de gratidão que cada um de nós tem para com Deus. Se olharmos ao redor veremos um mundo maravilhoso que saiu de Suas mãos, de modo que a atitude mais justa para com Ele, que fez isso tudo por amor, é estarmos habitualmente alegres. Além disso, a alegria é também um dever que temos para com os que estão próximos de nós: esposa, esposo, filhos, pais, amigos, colegas de trabalho e todas as pessoas que fazem parte do nosso círculo de convivência.
Talvez a nossa maior dificuldade esteja em pensar que o nosso humor depende dos outros, das condições meteorológicas, do trânsito ou até da nossa saúde. É possível manter a serenidade e a alegria mesmo em situações adversas, conquanto que tenhamos um sentido forte e profundo para as nossas vidas.
Quem encontrou a resposta àquelas grandes indagações existenciais que todo homem e toda mulher se fazem (quem sou eu? De onde vim? Para onde vou?) terá motivos bastantes para estar habitualmente alegre e sereno. Então saberá sorrir sinceramente ao colega de trabalho que o persegue, dar um bom dia afetuoso ao cobrador de ônibus carrancudo e sonolento, interromper o trabalho para dar um telefonema para a esposa simplesmente para lhe perguntar como ela está, ou pensar num detalhe de carinho que possa surpreender o marido quando ele chagar a casa.
“Também você pode ter um coração cheio de alegria e (agir) com bom humor. Há pessoas com quem se sente bem não apenas pela aparência, mas porque você gosta de estar com ela e ela gosta de estar com você, e quando estão juntos se enchem de alegria”, conclui a Gabi. Com palavras simples, as crianças nos mostram que a alegria não é algo aleatório, resultado da sorte ou produto de uma combinação genética, presente em uns indivíduos e ausente noutros. De fato, não podemos nos forçar a estar alegres. Mas se não podemos obtê-la com um esforço direto, podemos fazer algo que nos proporcione a tão almejada alegria. É que ela depende muito diretamente de onde colocamos o nosso coração. Se nos empenhamos em fazer felizes aqueles que nos cercam, a felicidade brotará naturalmente em nós.

Não se faz desabrochar à força uma bela flor numa planta. Mas se a cuidamos com esmero, regando-a e adubando-a a seu tempo, em breve ela florirá. De igual modo não arrancamos na marra a alegria do nosso coração. Plantamo-la e regamo-la, dia a dia, num esforço sincero por servir às esposas, aos maridos, aos filhos, aos amigos, aos colegas de trabalho e a todos aqueles com quem convivemos.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Projetos comuns

Enquanto visitava umas casas à venda num loteamento fechado, notei que o corretor, talvez como técnica de venda, afirmava que haviam sido construídas por pessoas que pensavam em habitá-las e não simplesmente para vendê-las. Indagado o motivo de estarem se desfazendo dos imóveis, a resposta mais frequente foi que o casal havia se separado.
Esse dado torna manifesto um ingrediente fundamental em toda relação matrimonial de sucesso: a necessidade de se ter projetos comuns. O Código Civil brasileiro, de maneira muito sábia, consagra em seu artigo 1.511 que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. E no inciso II do artigo 1.566, estabelece como dever dos cônjuges a vida em comum, no domicílio conjugal. Sendo assim, o projeto da casa é importante, afinal, esse sonhar e construir juntos é importante para o casamento. Porém, o projeto de vida a dois há de ser muito mais abrangente.
Um dos motivos do crescente fracasso dos casamentos está no modo que se tem vivido o tempo de namoro. Parte-se prematuramente para as relações íntimas e pouco se dedicam a se conhecerem a fundo.
O que pensa ela ou ele a respeito dos filhos? Como serão educados? Trata-se de um assunto fundamental a ser tratado antes do casamento e também durante a vida matrimonial. Quando se diz que se há de ter projetos em comum, é evidente que nisso não se inclui a profissão dos filhos ou se eles haverão de se casar e com quem. São questões que eles próprios decidirão com total liberdade no momento adequado. Mas a formação dos filhos e os objetivos a serem buscados com isso devem estar muito claros para o casal. Todos nós queremos que os filhos sejam homens e mulheres felizes e responsáveis. Mas com que frequência conversamos sobre esse assunto? Quais são os meios de que se valem o pai e a mãe para auxiliá-los e orientá-los nessa direção?
Outro ponto que precisa estar bem ajustado é a vida profissional de cada um. A escolha do trabalho e da profissão é algo pessoal, que não pode ser imposto pelo outro cônjuge. Contudo, na medida em que isso possa influir – e frequentemente influi – na vida familiar, o marido e a mulher devem ser ouvidos antes de se tomar qualquer decisão. Aliás, um bom critério parar avaliar a escolha do marido e da esposa advém da resposta a essa indagação: “Ele (ou ela) está disposto a qualquer sacrifício profissional pelo bem da esposa (ou do marido) e da família? Para ele (ou para ela), o que é mais importante a família ou o trabalho? No mais das vezes não haverá incompatibilidade entre família e trabalho, mas não está apto para o casamento quem não sabe colocar, não em teoria, mas nas ações práticas de todos os dias, a família acima do trabalho.
Há que se conversar também sobre as convicções religiosas. A fé é algo pessoal sobre o que não tem o outro direito de interferir. Mais ainda, trata-se de uma demonstração de amor sincero o fato de se ajudar o marido ou a esposa a viver de maneira coerente com a sua fé, inclusive quando ela não é compartilhada. No entanto, a vivência de uma determinada religião produz consequencias na vida conjugal e familiar: assistência aos cultos, frequentar ou não frequentar determinados locais, a educação religiosa dos filhos etc. E ao se traçar um projeto de vida em comum, esses pontos hão de estar bem claros e alinhados.

“Que seja eterno enquanto dure esse amor, que dure para sempre, que venha abençoado por Deus, que seja diferente, que tenha alegria, que ponha fogo em mim, quem é que não quer um amor assim”, cantam os apaixonados ao som da composição do grande Peninha. O erro de muitos, porém, está em pensar que o sucesso desse empreendimento seja aleatório e dependa exclusivamente da sorte. Ao contrário, pode ser edificado dia a dia, tal como numa construção, um tijolo após o outro. E, como toda obra bem feita, deve ser antes planejada e depois executada harmonicamente pelos construtores.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tropa de Elite e a Dignidade Humana

O personagem Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite, assumiu o papel de herói nacional. Com efeito, uma das maiores indignações do brasileiro é a impunidade. Nesse cenário, um policial honesto e implacável com os criminosos rapidamente se converte no baluarte da ética nos meios policiais. Semelhante efeito causou a invasão pelas Forças Armadas do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, fazendo ressurgir a esperança de uma nova ordem que proporcione mais segurança para o cidadão de bem.
Mas há um fato marcante no filme e na operação policial nas favelas no Rio de Janeiro que também deveria despertar nossa atenção: muitos de nós vibramos quando os bandidos eram sumariamente mortos pela ação dos policiais.
A nossa Constituição Federal consagra como fundamento da nação brasileira a dignidade da pessoa humana. Mas será esse princípio universal e absoluto, ou depende dos méritos pessoais de cada indivíduo? O criminoso, o traficante ou o assassino são pessoas que tiveram a sua dignidade diminuída ou mesmo aniquilada como resultado de suas más ações, ou, apesar disso, a mantém intacta?
Penso que não é possível dar uma resposta cabal sem analisarmos o que é, na essência, o ser humano.
Não é necessário ser especialista para constatar a maravilha do corpo humano. São milhares de células que formam tecidos, que se organizam em órgãos. Temos os sentidos que nos permitem compreender e nos relacionar com o mundo exterior e muito mais. Além disso, o ser humano possui uma alma imortal, de modo que sequer a morte o aniquilará por completo. E, como corolário disso tudo, traz dentro de si uma incrível capacidade da amar, de se doar desinteressadamente aos demais.
Essa vocação para a transcendência, que o move a buscar o bem do próximo (esposa, marido, filhos, amigos) é, de certo modo, o que mais acentuadamente caracteriza o ser humano. É bem verdade que muitos não a desenvolvem e, com isso, desperdiçam a vida ou parte dela em caminhos de frustração e infelicidade. Nem por isso, porém, perdem a natureza humana que os fazem titulares de uma imensa e inabalável dignidade.
Somente se consegue construir uma sociedade mais justa e solidária, que é a base para a tão almejada segurança pública, se soubermos ter esse olhar para todo ser humano, seja para o embrião que cresce no seio materno (ou está congelado em clínicas de fertilização), seja para a criança (ou adulto) que pede esmola num semáforo, seja para um bandido que cometeu as piores atrocidades.
Isso não justifica uma atuação relapsa do Estado no combate ao crime. Não é correto, sob falsas desculpas de defesa dos direitos humanos, deixar que os malvados destruam famílias, semeiem medo e divisões, fraudem o patrimônio público e permaneçam impunes. Mas apesar disso, cabe a todos, em qualquer circunstância, uma atitude incondicional respeito para com cada ser humano, por sua imensa dignidade que lhe é inerente.
Um fato relatado pelo Pe. Luiz Roberto Teixeira Di Lascio, reproduzido no texto base da Campanha da Fraternidade de 1.997, retrata o heroísmo com que se pode viver o respeito à dignidade da pessoa humana, fruto de um amor gratuito e fraterno por cada criatura:

“Em visita a um preso do Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru – SP (...) observei que entrou uma senhora de seus 60 anos, simples, cabelo grisalho, rugas no rosto, andar calmo, meio curvada, semblante sereno, carregando uma sacola. Dirigiu-se até o banco onde estava sentado um jovem de uns 25 anos. Ele a acolheu com carinho, e ela, com seus gestos de amor materno. Fiquei admirado como aquela mãe demonstrou o tempo todo carinho, acolhimento, alegria, como o seu olhar para o rapaz era de ternura e como ele se sentia alegre. No abraço que eles trocaram para se despedir, Deus estava presente. O preso que eu visitava percebeu que eu estava admirando aquela cena, e disse: - Sabe, Pe. Luís Roberto, aquela senhora não é a mãe dele, mas a mãe do rapaz que ele matou. Ela prometeu, no dia do enterro, que ela o perdoava, e como sinal deste perdão ela o acompanharia com muito amor e assistência enquanto ele estivesse na prisão.”

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

“Sou” ou “tenho” um corpo?

Há alguns anos presenciei um debate descontraído entre dois amigos universitários. Falavam sobre a morte e o sentido da vida. Um deles sustentava que o corpo é apenas uma espécie de invólucro que abriga o espírito. O outro, que seguia por uma vertente mais materialista, sustentava: “tudo bem, só que isso que eu sou – e fez um gesto com as mãos apontando para si – eu não serei após a morte”.
O mundo mudou bastante desde então. Vivemos hoje, mais que naquela época, numa sociedade em que predomina a cultura hedonista, que move as pessoas a buscarem o prazer a qualquer custo. Por outro lado, a medicina evoluiu de forma fantástica. No entanto, os avanços não foram apenas no sentido da prevenção e cura de doenças, mas também para criar mecanismos para os indivíduos moldarem o próprio corpo. Já se fala em mudança de sexo.  As cirurgias plásticas não mais se prestam apenas para corrigir anomalias, mas se pode modificar, ao gosto de cada um, a face, os membros, a estatura, a cor da pele etc.
Nesse cenário, como nos vemos a nós próprios nesse conturbado início de milênio? Sou esse corpo animado por uma alma e vivo para um fim transcendente? Ou sou dono desse corpo, moldável ao meu próprio gosto, que me há de servir apenas como instrumento para buscar o prazer?
Esse último postulado é, sem dúvida, um resumo da cultura dominante em nosso tempo, ainda que com variações quanto às formas de manifestação e intensidade. Porém, será ele apto a promover de verdade a dignidade humana?
Um dos aspectos que torna manifesta a contradição dessa concepção é a maneira com que se encara o sacrifício. Essa palavra soa como uma heresia no mundo moderno. Dirão seus adeptos: “Que absurdo perder o tempo criando filhos. Dão trabalho, choram de noite...”. No entanto, submetem-se a dores mais intensas que a do parto em cirurgias plásticas, lipoaspirações etc. Parece absurdo perder noites de sono para cuidar dos filhos pequenos ou doentes, mas se perdem as mesmas noites de sono na internet! No fundo, não é do sacrifício que fogem as pessoas nesse admirável mundo novo. Aliás, quanto sacrifício se faz nas academias de ginástica, nas clínicas de beleza e no próprio trabalho alucinante que rouba todo o tempo que se poderia dedicar à família. Fogem, isso sim, daquele sacrifício abnegado pelo próximo (filho, marido, esposa, amigos) e por amor. Mas estão felizes com esse viver somente para si?
Outra falácia da cultura hedonista está em pregar o “sexo livre” e irresponsável. De fato, se o que importa é apenas o prazer, a sexualidade encontra posição de destaque, afinal, poucas atividades o proporcionam de maneira tão intensa. No entanto, não se preocupa em explicar o “day after”, ou melhor, o “second after” ao ato sexual: o amargo na boca e o vazio na alma de quem abusou e se deixou abusar do próprio corpo como se fora mero objeto, esquecendo-se de sua dimensão afetiva e mesmo racional do ser humano.
O prazer não é ruim nem reprovável. Contudo, é enganoso considerá-lo como um fim em si mesmo. Aliás, com todo o respeito a quem pensa diferente, o ato sexual é muito mais prazeroso para o casal que vive a fidelidade e se esforça, por anos e anos, em fazer o outro feliz, inclusive nesse momento.
Ainda que não seja muito difícil expor as armadilhas da cultura hedonista, não é igualmente fácil responder à indagação a que nos propomos (somos ou temos um corpo?). Apelo, pois, à simplicidade das crianças. A minha filha, Maria Clara, de oito anos, gosta de ir ao cemitério. Numa tarde resolvi indagar: “Filha, como você pode gostar de vir aqui? Ninguém gosta disso, tanto menos com a sua idade”. “Mas eu gosto”, respondeu ela. E depois explicou: “Quando vejo os túmulos dessas pessoas que já morreram fico um pouco triste, mas, ao mesmo tempo, muito contente. Fico triste por pensar que os corpos delas estão enterrados aí em baixo, mas quando penso que elas estão num lugar muito melhor, perto de Deus, isso me deixa muito contente por elas. Além disso, gosto de pensar no dia em que elas terão novamente seus corpos muito lindos no Céu”. Depois de um breve silêncio, completou ela: “foi a minha professora de religião quem me disse que nossos corpos ressuscitarão...”.

Como seria mais simples e belo o mundo se nos inspirássemos na pureza e na simplicidade das crianças!