Acendeu-se recentemente um debate sobre a utilização
do chamado elevador social nos condomínios de apartamentos por pessoas que
prestam serviços domésticos. Há quem sustente que a medida é discriminatória e
já se fala em regulamentação da matéria. Penso que não há mesmo como sustentar
essa diferença de tratamento. A empregada doméstica, o jardineiro, o porteiro,
o zelador e todos os demais prestadores de serviços são pessoas humanas e,
portanto, dotados de uma imensa dignidade, com proteção constitucional. Por
consequência, não há fundamento para que sejam instadas a tomar somente o
elevador de serviços, entrar pela porta dos fundos ou sofrer outras injustas
limitações dessa natureza.
Talvez seja necessária a edição de leis que coíbam essa
discriminação. Também pode ser o caso de se exigir uma postura mais atuante dos
sindicatos em defesa da categoria. Porém, o reconhecimento da verdadeira
dignidade dessas pessoas exige mudanças muito mais profundas, que tocam a nossa
maneira de pensar e de agir.
Há quem sustente que a empregada ou o empregado
doméstico é uma profissão que num futuro não muito longínquo deixará de existir
ou será muito reduzido o número desses trabalhadores. Com o aquecimento da
economia e o incremento do consumo e da produção, essa força de trabalho seria
absorvida pela indústria e demais segmentos produtivos. Aliás, isso já é o que
acontece em países desenvolvidos, onde sequer a classe média tem condições de
ter funcionários fixos no lar.
Mas deixando de lado as especulações sobre como será
a realidade do mercado de trabalho no futuro, no momento há um imenso número de
pessoas que se dedicam profissionalmente aos trabalhos domésticos. Nesse
contexto, como deve ser essa relação entre os membros da família e esses
trabalhadores numa sociedade que pretende ser cada vez mais humana?
Acredito que um bom critério é tratar a empregada do
lar como uma pessoa a mais da família. Isso traz inúmeros benefícios:
desempenha-se o serviço com maior
satisfação e, por consequência, o resultado é melhor; os filhos são educados
desde muito pequenos a enxergar em cada ser humano uma igual dignidade,
independentemente da condição social ou do grau de instrução; o ambiente
familiar se mostra mais natural e sereno quando todos os que nele habitam são
“de casa”.
Outro dia fiquei sabendo de um homem que compareceu a
uma audiência e, indagado pelo juiz sobre a profissão, respondeu com o rosto
corado e cheio de vergonha que era catador de lixo reciclável. O magistrado,
notando o seu constrangimento lhe disse: “o senhor não precisa ter vergonha da
sua profissão. Todos os trabalhos honestos são igualmente dignos. Aliás, qual
trabalho é mais digno, o seu ou o meu?”. O cidadão tentou esboçar uma resposta,
mas antes que o fizesse, concluiu o juiz: “O trabalho mais digno é aquele que é
feito com mais amor, seja ele qual for”.
Essa visão sobre o trabalho não pode ser utilizada
como paliativo para não se cumprir todos os direitos sociais. Ou ainda que se
tratem os empregados domésticos com respeito apenas para evitar futuras
reclamações trabalhistas. Bem ao contrário, o reconhecimento da dignidade que
merece esse trabalhador pressupõe que se cumpram todos os direitos trabalhistas
e com pontualidade.
A humanização das relações de trabalho, especialmente
aquele realizado no lar, consiste num exceder-se na justiça. Trata-se de pagar
salários justos, recolher as contribuições devidas e assegurar as férias e
demais direitos sociais. Mas além de tudo isso, devemos saber enxergar nessas
pessoas seres humanos que sofrem, que têm filhos doentes e dificuldades com o
marido e que, portanto, saibam encontrar em nós e nas pessoas de nossa casa um
amparo forte e sereno nessa árdua mas ao mesmo tempo bela passagem pela vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário