Ontem foi domingo de Páscoa. No entanto, essa festa é
antecedida pela quaresma, período de penitência com que se preparam para essa
grande comemoração aqueles que procuram ser fieis aos ensinamentos cristãos.
Mas não será que essa proposta de sacrifício algo ultrapassado, talvez
incompatível com o grau de evolução que a sociedade humana atingiu neste início
de terceiro milênio?
Penso que não é verdade que o sacrifício tenha sido
banido da vida das pessoas em nosso tempo. É comum trabalhar num ritmo
alucinante até doze ou mais horas por dia, no afã de uma ascensão econômica e
profissional. Também as crianças e jovens são exigidas desde muito cedo a
buscarem bons rendimentos escolares, a frequentarem cursos de línguas e
inúmeras outras atividades extracurriculares de modo a encarar o mercado de
trabalho cada vez mais competitivo. E isso sem contar as horas de academia de
ginástica, clínicas de beleza para se manter o físico dentro de um padrão
imposto por aquilo que já se convencionou chamar de ditadura da beleza.
Não é do sacrifício que fogem o homem e a mulher
desse admirável mundo novo. Numa sociedade excessivamente individualista soa
como incompreensível e inaceitável sacrificar-se por algo que não seja em benefício próprio. Essa
postura, ou melhor, essa opção de vida centrada em si mesmo, somente gera
tristeza, vazio interior e insatisfação. É que, hoje como ontem e sempre as
grandes realizações, capazes de preencher de alegria e realização o coração
humano dependem de esforço, um dia após outro em pequenos detalhes, como
pequenos são os tijolos de que são feitas as grandes construções.
Lembro-me de um amigo que contava o diálogo que teve
com um sacerdote amigo seu. Ele confidenciava que pretendia ficar a quaresma
toda sem tomar cerveja. “Mas e se nesses dias receber um amigo que gosta muito
de tomar uma cervejinha gelada com você, vai recusar?”, disse o sacerdote, meio
que em tom de provocação. “Sim”, respondeu o meu amigo resolutamente. “Veja
bem”, prosseguiu o padre, “é muito bom fazer sacrifícios como esse, mas eu
tenho uma sugestão um pouco melhor: faça uma lista das reclamações que sua
esposa faz contra você”. O meu amigo pensou um pouco e começou a enumerar:
“sujar o espelho do banheiro ao me barbear, chegar mal humorado a casa nas
quartas-feiras, não lhe dar atenção quando ela me telefona durante o horário de
trabalho...”. “Acho que já está bom”, interrompeu o sacerdote. “Então por que
você não se esforça nesta quaresma por fazer isso que agrada a sua esposa?
Quanto à abstinência da cerveja, quebre-a quando for oportuno para ser mais
agradável com um amigo, por exemplo.” Ele ficou satisfeito, porém, alguns dias
após, pensou que teria sido muito mais fácil ficar apenas sem a cerveja...
E exemplos de sacrifícios que valem a pena, pois
tornam mais agradável a vida das pessoas com quem convivemos, podem se
multiplicar. Soube de um pai que, ao chegar a casa se esforçava por deixar as
preocupações da porta para fora. Assim, não se queixava ao levantar de madrugada
para preparar uma mamadeira ou de renunciar ao telejornal para participar de
jogos com os filhos após o jantar. Com isso, o ambiente familiar se tornou cada
vez mais alegre e sereno, tanto que se aguardava com ansiedade o momento em que
retornaria do trabalho ao convívio familiar, ainda que não faltassem os
trabalhos e penas de cada dia.
Páscoa significa passagem. De certo modo, o que dá
sentido e alegria a essa vida nova é o amor que leva ao esforço por alcançá-la.
É isso o que ocorre em
nossas vidas. Podemos escolher, todos os dias, o que seremos
no futuro. O esforço diário por construir um casamento feliz, por educar os
filhos, por cultivar saudáveis amizades será o grande tesouro que teremos ao
final. Se nos perdemos a reclamar da vida e a pensar somente em nós mesmos não
é de se estranhar que se alcance apenas frustração e solidão. Ao contrário, o
esforço e o sacrifício por aqueles com quem convivemos é que construirá o
edifício sólido e agradável a que todos acorrem para encontrar remanso,
serenidade e alegria.
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