segunda-feira, 4 de abril de 2011

O legado de José de Alencar

Faleceu na última terça-feira, dia 29 de março, o ex-vice-presidente José de Alencar. Esse grande homem tem sido frequentemente lembrado como um exemplo de luta contra o câncer. Mas será que o faremos justiça se assim o considerarmos, ou se nos ativermos apenas a esse legado que nos deixou?
Quanto se diz que o objetivo primordial de uma pessoa, ainda que num determinado momento de sua vida, é o combate a uma enfermidade que a acomete, corre-se o risco de pensar que se trava uma batalha apenas para permanecer vivo e nada mais. Não que a vida não seja um bem em si, nem que lutar por ela não seja algo que valha a pena. Mas os grandes homens têm sempre algo mais. “Viver por quê e para quê?” é uma indagação que se há de fazer quando pretendemos entender a fundo exemplos de heroísmo em situações de extrema dificuldade.
“Se Deus quiser me levar, Ele não precisa de câncer. Se Ele não quiser que eu vá, não há câncer que me leve”. De certo modo, Alencar debochava da doença. Dava a esse fato a importância que ele merece. Tomava os cuidados médicos e buscava com prudência o tratamento adequado. Mas soube conviver com ela, ou melhor, viver apesar dela. E isso somente é possível nas pessoas que sabem que têm uma missão a cumprir.
Há alguns anos tomei um táxi e o motorista, em poucos minutos, contou o drama de sua vida. Havia conseguido juntar um certo dinheiro, comprara uma chácara, próxima a um lugar privilegiado para a pesca e, com o que recebia de aposentadoria, podia levar a vida apresentada como um modelo de felicidade e realização em nosso tempo: pescar pela manhã, descansar numa rede pela tarde e, de noite, bebericar, ouvir uma música ou simplesmente contar as estrelas de papo para o céu. “Mas tudo isso enjoa”, disse ele, e por isso resolveu voltar a trabalhar enquanto ainda buscava um sentido para os últimos de seus dias...
Dedicamos uma grande parte do nosso tempo no desempenho de um trabalho profissional. O estudante sério haverá de ser dedicado e diligente nos estudos, consciente de que tem uma dívida com a sociedade que lhe proporciona os meios para obter o conhecimento. De igual modo, o lixeiro, o lavrador, o operário, o empresário, o funcionário público, todos têm um ofício que direta ou indiretamente está destinado a fazer algo de útil para os outros. E todos temos aí uma importante missão.
Mas ela não se limita ao trabalho profissional. É possível que chegue um momento em que deixaremos de exercê-lo, e então poderemos dedicar mais tempo a alguma atividade assistencial, por exemplo.
A nossa missão se desempenha também muito especialmente na vida familiar, no cuidado com a esposa, com o marido, com os filhos, com os pais, com os amigos, enfim, com todos os que pelos mais variados motivos se colocam na nossa existência como o próximo.
Tive a sorte de conhecer um grande homem que soube cumprir a sua missão até o último minuto. Estava ele com uma doença incurável no hospital e, como era muito querido, recebia várias visitas. Certo dia, disse à enfermeira que o atendia: “Você sabe que sou um homem muito rico?”. Ela, sem deixar de mexer na injeção que aplicaria, respondeu: “ah, é?”. E o amigo concluiu: “a minha riqueza é a minha família: tenho muitos filhos, muitos netos e alguns bisnetos que agora me acompanham neste momento”. A enfermeira ficou muito impressionada em ver como ele vivia aquela situação terrível. Dias antes de morrer, a enfermeira veio ter com ele e disse: “Eu gostaria de lhe agradecer. É que estou grávida e estava pensando em fazer um aborto. Mas, vendo o senhor com essa alegria e serenidade nesses momentos, eu voltei a acreditar na vida”.

Exemplos como esse, ou como do já saudoso ex-vice-presidente, devem ressoar para nós como um chamado a aproveitarmos muito bem cada minuto de nossa existência, ciente de que nada nela é em vão e que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

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