“Filha, quando você faz essas coisas eu não gosto mais
de você”, dizia uma mãe em tom de repreensão à filha que acabava de fazer uma
travessura. Na mesma linha, mas em outro sentido, ouvi certa vez o elogio de um
pai: “Filho, eu gosto muito de você, pois é estudioso, obediente e carinhoso
comigo e com sua mãe”. Agindo com o afã de fazer com que nossos filhos se
comportem bem, por vezes corremos o risco de lhes transmitir a mensagem de que
o nosso amor por eles é uma espécie de recompensa por se comportarem de acordo
com as nossas expectativas.
No romance Vá
aonde o teu coração mandar, de Susanna Tamaro, a personagem relata o
relacionamento desastroso com sua mãe, que merece ser meditado:
“Eu era muito diferente dela e já ao sete anos comecei
a não a suportar. Sofri muito por sua causa. Ela andava agitada o tempo todo, e
sempre era unicamente por motivos externos. A sua presumível perfeição fazia-me
sentir que eu era má e que a solidão era o preço da minha maldade. A princípio,
cheguei até a fazer tentativas de ser como ela, mas eram tentativas
desajeitadas que sempre fracassavam. Quanto mais me esforçava, mais me
despedaçava. Renunciar a si mesmo leva ao desprezo. Do desprezo à raiva, o
passo é curto. Quando compreendi que o amor da minha mãe era um assunto que se
prendia com a mera aparência, com o que eu devia ser e não com o que eu era, no
segredo do meu quarto e no coração comecei a odiá-la”.
É impressionante notar como muitos pais e mães buscam
moldar os filhos aos seus próprios gostos. No entanto, se amamos os nossos
filhos de verdade, uma das melhores ajudas que podemos prestar-lhes e ensiná-los
a serem eles mesmos. Cada ser humano é único e irrepetível e um dos maiores
dons que receberam é a liberdade.
É evidente que os nossos filhos, como também nós, temos
muitos defeitos e limitações. E a vida é uma oportunidade para vencer esses
defeitos e também superar, na medida do possível, os próprios limites. Cada
minuto de nossas vidas nos traz oportunidades de adquirirmos virtudes, que por
sua vez nos faz pessoas melhores, mais realizadas e felizes. Assim, os pais
podem e devem ajudar os filhos nessa caminhada, educando-os e orientando-os
nessa luta cotidiana. Contudo, devemos agir com retidão de intenção, ou seja,
buscando apenas o bem dos filhos, e não para que possamos nos orgulhar deles diante
dos amigos, familiares ou quem quer que seja.
Certa vez participei de uma palestra de um renomado
educador ministrada para pais e professores. Nela se falou da importância de os
pais conhecerem a fundo o caráter dos filhos para poder ajudá-los, falou-se
também da idade certa para se trabalhar cada virtude etc. E depois de deixar
todos meio atônitos sobre o quão exigente há de ser a educação em nosso tempo,
ele lançou à platéia a seguinte indagação: “Mas e se depois de fizermos tudo
isso por nossos filhos nada der certo? Vou ser bastante trágico: e se algum
deles se perder e acabar na prisão, o que fazer?”. A frase era de fato
chocante, afinal nenhum dos pais de crianças e adolescentes que ali se encontravam
sequer contava com essa possibilidade. E depois prosseguiu:
“Se isso acontecer, nos domingos vamos com toda a boa
vontade visitá-los. E se possível levaremos uns doces para os companheiros de
cela que não recebem visitas”. E depois concluiu: “Nossos filhos são livres.
Não se educa um homem e uma mulher como se programa um robô. A única forma de
serem verdadeiramente bons é exercendo bem a sua liberdade. E estou
absolutamente convencido de que o amor só é verdadeiro se for incondicional.
Não os amamos porque são ‘bonzinhos’, porque correspondem às nossas
expectativas ou porque nos agradam, mas porque são nossos filhos e são do jeito
que são, não como gostaríamos que fossem. E além disso não é possível amar de verdade algo ideal, que somente
existe em nossa cabeça, mas somente seres humanos em concreto, com suas
virtudes e com os seus defeitos. É precisamente desse modo que nossos filhos
querem e têm direito de ser amados por nós”.
Nada a acrescentar.
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