No dia 17 de outubro de 2011 despediu-se do Tribunal
de Justiça de São Paulo o Dr. José Geraldo Barreto Fonseca, que se aposentou do
cargo de Desembargador, após servir a Justiça de São Paulo por mais de 44 anos.
Penso que é dever de justiça prestar homenagem a esse grande homem fez da sua
vida um abnegado serviço à Magistratura Paulista.
Mas como prestar uma justa homenagem em tão curso
espaço sem que ela soe como algo redutivo, que ressalta apenas um detalhe,
talvez até acidental, num homem cuja grandiosidade a história se encarregará de
enaltecer cada vez mais? Ouso, porém, correr esse risco, quando menos para
afirmar que o Dr. Barreto foi, em toda a sua vida, um verdadeiro semeador de
paz e de alegria.
Há
dezoito anos tive o enorme privilégio de trabalhar como Dr. Barreto por poucos
meses, mas que foram suficientes para dar um novo rumo à minha vida. Eu era
então um estudante de direito que sonhava ingressar na Magistratura. Aprovado
num concurso público de escrevente, vim a ser designado para trabalhar em seu Gabinete.
Naquela situação, era natural fazer uma imagem enaltecida de
um Desembargador, afinal era o posto mais elevado da carreira que eu sonhava
ingressar. Supunha, então, encontrar um homem sério, formal e enérgico. Mas a
pessoa que encontrei foi precisamente o contrário: amável, sorridente,
demonstrava um sincero afeto e interesse por todos aqueles com quem convivia.
O Dr.
Barreto nunca foi um homem de discursos ou de longos conselhos. O seu exemplo
de vida inspirava com tamanha eloquência que se podia dispensar as palavras.
Chamava a todos pelo nome. Era frequente também perguntar pela esposa e filhos
dos que conviviam com ele. Esforço de memorização? Penso que não. É um homem
que não pensa em si. É uma vida dedicada aos demais.
Certo
dia, veio visitá-lo em seu gabinete o Presidente do Tribunal. No mesmo
instante, porém, chegara a faxineira que lhe pediu autorização para limpar a vidraça. Com o habitual
sorriso, levantou-se e cumprimentou-a pelo nome. Apresentou-a ao Presidente e a
conversa seguiu amena e com toda naturalidade. É assim o Dr. Barreto. Eu nunca o
vi fazer considerações teóricas
sobre a dignidade da pessoa humana. Seus gestos, porém, delatam que sabe
enxergar em cada homem e em cada mulher um tesouro de um valor infinito.
Não
tardou em nos convidar a ir a sua casa: um lar verdadeiramente luminoso e
alegre. O amor profundo e sincero pela sua esposa, a adorável D. Estella,
incitava a imitá-los quem sonhasse em edificar uma família. O apartamento vivia
repleto de pessoas. Não bastasse a movimentação natural de seus onze filhos,
cada qual trazia dois ou três amigos a desfrutar daquele convívio maravilhoso.
E
como era o seu trabalho? Inicialmente, causou-me certa perplexidade a concisão
das decisões. Raramente ultrapassavam duas ou três laudas. No entanto, não era
isso sinal de descuido ou superficialidade na apreciação de cada caso. Bem ao
contrário, estudava a fundo e lia com invejável atenção todos os detalhes do
processo. É um homem de uma inteligência aguçada e profundo conhecedor do
direito. Apesar disso, não era essa a nota que mais aflorava em suas decisões.
Sabia enxergar por detrás daquela imensidão de papéis homens e mulheres que
clamavam por justiça. Escrevia pouco porque cada decisão era feita sob medida:
servia apenas para aquele caso. Os outros teriam as suas peculiaridades a
merecer igualmente a sua atenção.
Nesse
momento importante da sua vida, animo-me a dizer que o Dr. Barreto deu um novo
rumo à minha vida. A juventude é uma fase importantíssima. Nesse momento tomamos
decisões que muitas vezes trazem consequências irreversíveis. Penso que não por
acaso o encontrei no momento certo. Com efeito, o seu exemplo magnífico serviu
para dissipar muitas dúvidas e me trouxe muitas luzes.
O
Poder Judiciário sofre agora uma perda incomensurável. Porém, o Barretinho,
como é carinhosamente chamado por seus colegas, segue a sua vida benfazeja. Não
haverá os processos para decidir. De fato, o papel deixará de registrar
decisões sábias e prudentes que emanaram abundantemente da pena da sua caneta.
Mas a sua esposa, os seus filhos, os seus netos e os seus amigos continuarão a
desfrutar do seu amável convívio. Se tivesse de resumir numa frase quem é o Dr.
Barreto eu a extrairia do Livro que tem inspirado toda a sua vida: “Bem-aventurados
os puros de coração, porque verão a Deus”.
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