segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O mundo precisa de maturidade

Um fenômeno marcante do nosso tempo é a falta de maturidade. É frequente encontramos quarentões, cinquentões ou sessentões que ainda mantêm comportamentos típicos de adolescentes. É o caso, por exemplo, de homens e mulheres que já ultrapassaram as quatro décadas de vida e ainda se lançam a disputas no trânsito, colocando em risco a vida de outras pessoas, como se fossem ainda garotos de dezesseis ou dezoito anos. Não que tal comportamento seja tolerável entre os mais jovens. O ideal é que ao se obter a habilitação para conduzir veículo já se tenha desenvolvido o suficiente respeito por si próprio e pelos outros. Mas, além disso, é de se esperar que, com o passar dos anos, se verifique um amadurecimento que se traduza numa nova postura, mais respeitosa e zelosa pela vida dos demais.
Mas a falta de maturidade não se manifesta apenas em situações aberrantes. Se observarmos bem encontraremos governantes, parlamentares, magistrados, empresários, dirigentes de entidades e instituições, ou seja, que ocupam cargos importantes, esbanjando descontrole emocional ou mesmo atitudes verdadeiramente infantilizadas. É o que se manifesta, por exemplo, em frases do tipo: “Sabe com quem está falando?”. Agem como se o poder que possuem fosse uma espécie de narcótico para o próprio ego, e não mero instrumento para zelar pelo bem comum, pela justiça e pela paz no meio em que foram constituídos como autoridade.
Nesse contexto, cabe a nós indagarmos as razões mais profundas desse fenômeno. E penso que uma das causas desses comportamentos imaturos é a falta da virtude da prudência.
Frequentemente construímos uma noção distorcida dessa virtude. Pensamos que prudente é a pessoa extremamente indecisa, que dá mil voltas ao mesmo assunto antes de tomar uma decisão e que, quase sempre, deixa de agir com medo de errar. Trata-se de uma noção errônea. Na verdade, a pessoa prudente é a que, ao decidir, sabe encontrar em cada situação de sua vida o verdadeiro bem para si e para os demais, assim como escolher os meios adequados para buscar esse fim. Apenas para ilustrar, a pessoa que se lança do último andar de um edifício em chamas em uma cama elástica aberta no solo age com a mais pura prudência. Por outro lado, o pai que deixa de corrigir o filho, energicamente se necessário, por medo de magoá-lo ou de perder a amizade é, no mais das vezes, um terrível imprudente.
Os anos vividos são importantes. Mas o tempo, por si só, não basta. Com efeito, podemos encontrar pessoas de pouca idade capazes de tomar decisões acertadas. Ao contrário, encontramos homens e mulheres de idade avançada com comportamentos ainda imaturos. É que as experiências vividas somente contribuem para o nosso amadurecimento se meditamos sobre elas, tirando lições que nos movam a sermos melhores como pessoas. É certo que sempre erraremos em nossas decisões. Mas o crescimento se forja no meditar nesses erros e acertos, bem como nos propósitos que deles extraímos.
Outro sintoma da imaturidade é a incapacidade de tomar decisões que comprometam, talvez por toda a vida e, sobretudo, na falta de determinação para cumprir com valentia os compromissos assumidos. Esse é o motivo de encontramos muitas mulheres e homens feitos que ainda se lançam a relacionamentos passageiros, sem qualquer comprometimento, numa busca desenfreada por prazeres efêmeros e inconstantes. No entanto, com esse viver buscando interesses egoístas e passageiros, cedo ou tarde notarão que não construíram nada de verdade. Não edificaram aquelas obras que deixam a certeza de que foram feitas para a eternidade. Dentre essas podemos mencionar, muito especialmente, a dedicação à esposa e aos filhos, da qual se forja uma família cujos frutos se prolongam para muito além dessa breve existência terrena.

Os versos de Drummond, em Memória, talvez nos ajudem a concluir: “As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão...”. De fato, os bens pelos quais lutamos, os prazeres que veneramos rapidamente nos causam enfado, deixando na boca um amargo sabor. Mas um sorriso, um abraço, o sacrifício alegre e desinteressado que fazemos por aqueles que amamos, enfim, as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Dedicar tempo à família

Há alguns anos atrás minha filha me fez a seguinte pergunta: “Pai, quando você vai se aposentar?”. “Só posso me aposentar quando fizer sessenta anos”, respondi-lhe imediatamente. Sem se dar conta do tempo que ainda falta, ela prosseguiu animada com a ideia: “quando você se aposentar, você poderá ir ao cinema comigo?”. “Quando eu me aposentar provavelmente ela estará casada, com filhos, ou ao menos será já suficientemente adulta para não precisar (ou não querer) do pai para ir ao cinema”, pensei comigo mesmo, sem lhe desanimar com essa observação. Esse breve diálogo me fez pensar no quanto adiamos as coisas boas que podemos fazer por aqueles que amamos, em especial os nossos filhos.
A propósito, vale a pena recordar a conversa entre um pai e o seu filho pequeno. Era já quinta-feira e a criança não o via desde domingo, apesar de viverem na mesma casa. É que saía pela manhã bem cedo, quando o filho ainda dormia, e retornava tarde da noite, quando já se deitara. Nesse dia, aconteceu que o garoto acordou mais cedo e surpreendeu o pai saindo afobado: “Papai, aonde vai?”. “Vou trabalhar, filho, e já estou atrasado”, respondeu já abrindo a porta da casa. “Nós quase não ficamos juntos nesses dias”, disse o menino querendo um pouco de atenção. “Filho, o que importa não é a quantidade, mas a qualidade”, argumentou o pai. “Papai, para onde você vai agora?”. “Tenho uma reunião muito demorada e, depois, terei de trabalhar até tarde para terminar o serviço pendente”. “Papai, mas você não disse que o que importa é a qualidade e não a quantidade, então por que não vem mais cedo hoje?”. Sem resposta, o pai saiu remoendo aquela pergunta.
A vida moderna impõe muitos desafios na educação, e talvez o maior deles seja encontrar tempo para estar com os filhos. Não há regras fixas nem muito menos soluções mágicas. Cada pai e cada mãe devem, com um pouco de criatividade e com esforço heroico, se necessário, encontrar o tempo para isso. E mais que estar juntos, cuidar de que sejam momentos verdadeiramente felizes, permeados daquela alegria que inunda o ambiente quando se dispõe a esquecer de si próprio para fazer a vida mais agradável aos outros.
Quantas vezes não dedicamos sequer alguns poucos minutos por dia para estar com os nossos filhos porque passamos por temporadas em que o trabalho profissional exige uma dedicação maior. Com isso, pensamos conosco mesmos que “quando as coisas melhorarem”, “quando tivermos uma situação econômica mais folgada”, então sim poderemos dedicar mais tempo aos filhos. Acontece que o tempo é implacável. Os dias rapidamente se transformam em meses e esses anos e, quando menos esperamos, eles terão crescido. E então ficará a gozosa saudade dos bons momentos passados juntos, ou o triste arrependimento das oportunidades desperdiçadas.
E tanto mais importante ainda é cuidar do tempo que se dedica à esposa e ela ao marido. Há de se cuidar para que o convívio seja bem aproveitado para estreitar os laços de amor e de carinho. Afinal, tal como um tecido feito à mão se constrói ponto por ponto, a felicidade no casamento se edifica minuto a minuto. E assim como a beleza e a solidez do tecido dependem do capricho que se coloca em cada movimento, também o casamento depende de cada sorriso, de cada abraço, de cada gesto de dedicação e acolhida cuidadosamente praticados dia a dia, minuto a minuto.

O tempo presente é um grande tesouro que possuímos. O dia de ontem já passou e o amanhã não sabemos se chegará para nós. Assim, é uma enorme demonstração de sabedoria aproveitar esses minutos que nos cabem agora para fazer neles o que verdadeiramente importa. E o que de verdade é importante é cultivar a alegria no coração dos demais. O agricultor lança para longe de si a semente, que cai na terra, germina, cresce, floresce e depois produz os frutos abundantes, que são a causa de sua alegria. O mesmo pode ser feito com o nosso tempo. Parece que o jogamos fora quando nos esforçarmos por fazer um trabalho bem feito, por estar com a esposa, com os filhos ou com os amigos. Mas depois ele frutifica e se multiplica, trazendo consigo uma paz e uma alegria tão intensos que não há mau tempo que as possa apagar.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Cuidar dos doentes

Quando observamos os avanços da medicina, muitas vezes ficamos maravilhados ao ver como a tecnologia tem contribuído para os tratamentos. E isso não apenas para alcançar a cura de doenças outrora incuráveis, como para atenuar o sofrimento dos pacientes em situações que antes se mostravam extremamente dolorosas. No entanto, em um aspecto talvez tenhamos regredido. É que voltamos nossas atenções excessivamente para as técnicas a serem empregadas e, por vezes, nos esquecemos que o fim último disso tudo é um ser humano em concreto, que necessita das medidas terapêuticas, mas, mais que isso, deseja um alento, uma companhia solícita, pessoas serenas e, se possível alegres, que saibam conforta-los nesses momentos de dor e angústia. 

Os doentes podem encontrar um sentido para os difíceis momentos por que passam, ainda que se trate de uma enfermidade incurável. Há um filme muito bom, Antes de Partir, que talvez ajude encarar melhor esse terrível momento em que alguém se depara com o anúncio de uma doença grave. Os dois personagens, Carter Chambers (Morgan Freeman) e Edward Cole (Jack Nicholson), acabam por ficar num mesmo quarto de um hospital, e descobrem que lhes restam poucos meses de vida. Por acaso decidem escrever a "lista da bota", que consiste em enumerar o que gostariam de fazer antes de partir. É interessante notar como as diferentes opções de vida de cada um acabam por influir nesse momento terrível. Mas talvez a melhor mensagem consista em descobrir como aproveitar bem o tempo, sobretudo para reatar as relações com as pessoas queridas e para construir algo de positivo para os demais.

E também os parentes e amigos do doente podem crescer muito com essa experiência. Trata-se de uma oportunidade imperdível de viver a caridade. Cuidar desinteressadamente de um doente, esforçando-se por contar-lhe coisas alegres, por fazer com que passe bons momentos nessa difícil situação, é, antes de mais nada, algo que inunda de muita paz e alegria a quem presta esse valioso serviço.

Além disso, com muito respeito e delicadeza, talvez será o momento de mostrar ao doente o verdadeiro sentido da vida. Quer se acredite ou não em outra vida após a morte, é inegável que estamos aqui de passagem. Aliás, uma passagem muito breve. Assim, sem forçar a nada e com profundo respeito pela liberdade das consciências, muitos desses doentes serão eternamente gratos a uma atenção espiritual que lhes forem prestadas nesses momentos.

Não se trata de criar escrúpulos nem de impor convicções religiosas nesse momento. Mas os doentes têm direito de que lhes falemos de amor, e o amor transcende aos credos e às convicções religiosas. Como diz o Papa Bento XVI, em sua primeira encíclica (Deus é Amor), “a caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado como proselitismo”. E mais adiante acrescenta: “O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar somente o amor”. Esse carinho e esse afeto desinteressados não podemos jamais negá-los a esse imenso tesouro que são os nossos doentes.

Há poucos dias tive a imensa alegria de visitar uma grande amiga, que há dois meses se encontrava internada num hospital. Encontrei a D. Marina muito fraca e debilitada pela doença, mas com a paz e a serenidade que sempre marcaram a sua face. Não foram poucos os dissabores que a vida lhe reservou, mas a todos eles soube superar com a sua fé inabalável. Mesmo naquela situação debilitada, quando ela soube que um casal de amigos passava por uma dificuldade, arrancou forças de onde não tinha e disse: “eu vou ficar boa, vou sair daqui e então vou ajudá-los nisso de que estão precisando”. Não foi possível que ela realizasse esse desejo. Na última sexta-feira Deus a chamou à Sua casa. Mas ainda que aparentemente ela não tenha ajudado os amigos, muito mais que uma ajuda material, nesses últimos instantes da sua existência terrena nos deixou um magnífico exemplo: devemos encontrar no serviço desinteressado aos demais a razão de ser para a nossa própria vida!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Usando bem o dinheiro

As pesquisas revelam que o brasileiro enfrenta o maior nível de endividamento da história. Não bastasse esse fenômeno, é frequente que as famílias experimentem o peso de um revés econômico, seja pela perda de um emprego, seja por um gasto extraordinário que se teve de fazer, seja mesmo por desordem de se gastar mais que se ganha. Nessas situações, muitos pais se vêem diante de um verdadeiro drama: como reduzir o padrão de vida? Devemos relatar essas dificuldades aos filhos? Como eles reagirão?
A educação é dinâmica como a vida é dinâmica. Todos os acontecimentos são oportunidades educativas imperdíveis. É um grande erro esconder a realidade dos filhos para poupar-lhes o sofrimento. É certo que as coisas devem ser ditas com prudência e de acordo com a capacidade de entendimento de cada idade. Soube de uma família que, diante de uma dificuldade, resolveu contar aos filhos que teriam de vender o carro e não mais seria possível ir semanalmente ao Mac Donald’s. Tomavam juntos o transporte público pela manhã e, aos finais de semana, a mãe preparava um delicioso piquenique com os parcos recursos de que dispunham. Passado o aperto, os filhos se recordam com saudade aqueles lanches que tomavam sentados na grama de um parque público.
Nesses momentos, é fundamental que os pais tenham a fortaleza de realizarem as ações necessárias. Há pouco um colega me contava o que lhe ocorreu numa audiência. Tratava-se de uma ação de cobrança de mensalidades escolares. Em meio às tentativas de um acordo, o pai admitiu que matriculou os filhos em determinada instituição particular sabendo que não conseguiria honrar os pagamentos, pois a sua empresa ia de mal a pior. E, indagado o motivo pelo qual fez isso, respondeu: “é que meus filhos estão tão acostumados com essa escola que não tive coragem de tirá-los...”. É inegável que se trata de uma decisão dolorosa. No entanto, a saída mais honrosa, ainda que custe muito e cause sofrimento aos filhos, são oportunidades que lhes proporcionamos para eles próprios adquirirem virtudes que lhes serão fundamentais, em especial para alcançarem a tão sonhada felicidade.
Um grande sábio costumava dar três conselhos preciosos quanto ao uso do dinheiro e dos bens materiais: não ter nada de supérfluo; não ter nada como próprio; não se queixar quando falta o necessário. E isso serve tanto para os que têm muito como para os que têm pouco.
Se ponderarmos bem, veremos como esses conselhos poderiam nos ajudar a descomplicar a vida. Quanta bugiganga “made in China” adquirimos para usarmos uma única vez e depois entulharmos em uma “gaveta da bagunça”! Talvez nos ajude fazermos a seguinte indagação antes de comprar qualquer coisa, de pequeno ou grande valor: será que isso é mesmo necessário? E, por vezes, saber aguardar um dia ou dois para avaliar melhor a real necessidade.
Não estamos nesta vida por acaso. Temos uma missão a desempenhar. Nesse sentido, os bens são simples meios – ainda que imprescindíveis – para atingirmos esse fim que nos cabe. Não são, portanto, algo a serviço do nosso capricho, mas instrumentos para levarmos a cabo a nossa missão, da qual dependem a felicidade própria e dos que nos cercam.
E o terceiro conselho é ainda mais sábio. Muitas pessoas parecem adiar os seus planos de vida e a própria felicidade para um futuro muito distante: “quando eu tiver uma casa...”, “quando eu for promovido...”, “quando ganhar um milhão de dólares, então...”. E enquanto não atingem tais metas, queixam-se dia e noite de que não se tem isso ou aquilo. Talvez se esqueçam, porém, que a felicidade pode ser encontrada em coisas bem mais simples e que não custam nada, como um passeio com uma criança no parque, ou passando meia hora a divertir um idoso ou um doente.

Conta-se que a madre Tereza de Calcutá uma vez foi observada por uma pessoa, que contemplou o beijo e afago que fazia em um doente de aspecto repugnante. Diante disso, esse homem comentou: “nem por todo dinheiro do mundo eu faria isso”. E a bondosa religiosa respondeu: “nem eu”. Por dinheiro, tampouco ela o faria.