segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Tirando a máscara em casa

Certa vez um grande homem, ou melhor, um santo, andava irritado pela rua e teve uma feliz ideia: entrou numa dessas cabines de fotografia e tirou um retrato da sua cara mal humorada para que, contemplando depois o quão ridículo era o seu semblante naquela situação, se esforçasse por difundir ao seu redor alegria e bom humor.
A partir desse incidente pitoresco, talvez pudéssemos ser um pouco mais ousados: filmar alguns minutos das nossas vidas no ambiente de trabalho ou nas relações sociais e, depois, contrastar com um filme que reproduz como nos comportamos em casa.
Se assistirmos a esses filmes com atenção, talvez nos surpreendamos ao ver como representamos no ambiente de trabalho e nas conversas com os amigos, talvez fingindo ser quem não somos de verdade. Por outro lado, porém, também notaremos nesses ambientes um esforço, muitas vezes heroico, para nos mostrarmos amáveis, solícitos e sorridentes.
O filme que reproduz a nossa vida em família, porém, talvez nos mostre tal como somos. É o pai que chega cansado ao final do dia e se julga no direito de entrar se arrastando em casa com ares de “tenham pena de mim, que estou cansado”. É, também, a mãe aflita com os muitos afazeres da casa que, somados às suas obrigações profissionais, a põem com os nervos à flor da pele, esbravejando uma lista de lamentações: “é que ninguém me ajuda...”, “eu me mato o dia todo para manter essa casa em ordem e vocês não fazem outra coisa que não bagunçar tudo...”.
Penso que esse contraste tem pontos positivos e negativos. Primeiro, a autenticidade e a naturalidade com que nos apresentamos em casa é fundamental para nós mesmos, para o nosso cônjuge e para os nossos filhos. Com efeito, se há um ambiente em que temos o direito e o dever de sermos nós mesmos é no nosso lar.
Porém, naturalidade e simplicidade não se confundem com preguiça, egoísmo ou comodismo. É muito bom estarmos à vontade em casa. Mas é essencial que no seio da nossa família tenhamos um empenho redobrado por manter a alegria e o bom humor. E isso não nos faz representar ou simular ser quem não somos. Um atleta que treina com tenacidade e perseverança, um dia após outro, para superar os seus limites e vencer na próxima disputa, não perde a autenticidade. Continua a ser ele mesmo, porém, cada dia melhor. Obtém um aprimoramento constante que é fruto do esforço pessoal sempre renovado.
Penso que muito maior empenho haveríamos de colocar para estarmos solícitos e alegres ao chegarmos a casa no final de um dia de trabalho.
Conheço um bom pai de família que sempre se esforça por surpreender a esposa. Com frequência traz para ela um buque de flores ou um presente, mesmo quando não é uma data especial, simplesmente para que ela sinta o quanto é importante para ele. O desejo de agir assim não é algo sempre espontâneo. Muitas vezes custa algum esforço. Mas é precisamente na capacidade de se sacrificar que se prova a intensidade e autenticidade do amor.
Sei também de uma mãe e esposa maravilhosa que se esforça para estar bem arrumada em casa, para o marido e os filhos, e não simplesmente quando vai sair ou tem algum compromisso social ou profissional. Mais ainda, muitas vezes tira forças de onde não tem para manter um ar de cordialidade e acolhida no lar. Isso também lhe custa esforço. Mas ela o faz de bom grado, por amor.

No lar não devemos representar. Aliás, em todos os ambientes em que nos movemos deveríamos nos apresentar com simplicidade, sendo autenticamente nós mesmos. Porém, sem deixar de sermos quem somos, cada dia podemos nos esforçar por dar o máximo que pudermos para tornar mais agradável o convívio aos demais. Isso não é vestirmos uma espécie de máscara que oculta nossa verdadeira identidade. Ao contrário, seremos nós mesmos de coração sincero tentando ser melhores para difundir ao nosso redor paz e alegria.

Um comentário:

  1. Nossa que realidade!! O esforço para ser civilizado nunca foi nem vai ser algo que tire a autenticidade das pessoas, mas, como você bem defendeu, ele nos tornará pessoas amáveis e melhores independentemente do nosso longo e cansativo dia de estudo/trabalho. Adoro seus textos!

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