segunda-feira, 7 de abril de 2014

Judiciário “babá”

Em recente entrevista, o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, criticou o chamado “Estado Babá”. Disse ele: “Não é possível que o Brasil seja o País mais beligerante do Planeta! Isso resulta da formação adversarial das Faculdades de Direito e se insere na concepção de ‘Estado Babá’, que tutela e infantiliza a sociedade. Precisamos trabalhar urgentemente para propiciar aos indivíduos condições de estabelecer um diálogo antes de ingressar em juízo. Não é apenas para aliviar o Judiciário. (...) O objetivo maior da disseminação das alternativas ao Judiciário é formar uma cidadania proativa, madura, capaz de exercer com autonomia a sua vontade. Só com isso teremos a implementação da Democracia participativa, que nunca surgirá se os indivíduos preferirem ser ‘objeto da vontade do Estado-juiz’ em lugar de serem verdadeiros ‘sujeitos de direito’”.

A expressão utilizada não é inovadora. Ela foi cunhada pelo jornalista americano David Harsanyi em seu best-seller de 1997, “Nanny State”. Segundo esse escritor, comentado pelo economista por Rubem Novaes: “Políticos e burocratas, acreditando saber mais do que nós o que é bom para nós mesmos, passaram a interferir, com incrível intensidade, em questões miúdas de nossa vida, que deveriam pertencer ao âmbito das decisões pessoais ou familiares” (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso, nao-ao-estado-baba,1093299,0.htm).

Penso que esse intervencionismo do Estado na liberdade dos indivíduos, muito além do que seria necessário para assegurar o bem comum na sociedade, já conta com uma longa tradição entre nós, mas tem mesmo se acentuado nos últimos tempos.

No final do ano passado, enquanto participava de um Plantão Judiciário, deparei-me com um pedido de autorização de viagem de criança. Tratava-se de um garoto, pelo que me lembro de 9 anos, que pretendia passar o Natal com o pai em Brasília, que o esperaria no aeroporto do destino, sendo que a mãe o embarcaria no destino. E de fato o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 93, estabelece que nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorização judicial! 

Ora, atribui-se a um Juiz, precedido do parecer de um Promotor de Justiça, que analisarão um caso dentre muitos outros num Plantão Judiciário, o poder de aferir se convém ou não àquela criança viajar sem os pais! Que conhecimento têm esses profissionais do direito do temperamento da criança, do contexto familiar etc.? Terão, nesse contexto, elementos para decidir melhor que os genitores se a viagem desacompanhada lhe representa algum risco? 

Outro exemplo, agora trazido pelo artigo 1.691 do Código Civil. Acaso os filhos possuam um imóvel, os pais não poderão vendê-lo, salvo por necessidade, caso em que será necessária a prévia autorização do juiz. Novamente se parte do pressuposto de que o Estado-juiz saberá melhor que os próprios pais aferir se convém ou não dispor daquele bem!

Note-se que não estamos tratando de situações anormais, em que os pais descuidam da atenção e cuidado aos filhos, quando então são mesmo necessárias medidas judicias protetivas. Aquelas regras mencionadas acima – e poderíamos mencionar muitas outras – são aplicáveis aos casos absolutamente normais. E têm elas em comum o pressuposto de que os genitores não são tão esclarecidos a ponto de escolher o que convém ou não aos próprios filhos, atribuindo a um juiz tal decisão.

Trata-se de inaceitável interferência do Estado nas relações familiares, que deveriam contar com forte reação dos cidadãos. Afinal, como previu a nossa Constituição Federal, é nosso objetivo construir uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, inciso I). E isso não se alcança com essa postura de desconfiança de um Judiciário Babá, mas pela valorização da família, como ambiente privilegiado para se formar pessoas para a liberdade, justiça e solidariedade.

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