segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Os números da Justiça

Alguns dados do Poder Judiciário, publicados no relatório de produtividade do CNJ, podem causar perplexidade. Não é raro encontrarmos magistrados que proferem, num único mês, mil decisões e mais de uma centena de sentenças. Não pretendemos, com essa abordagem, incomodar o leitor com lamentações estéreis, nem muito menos movê-los a uma espécie de compaixão. Mas penso que esses números podem suscitar em todos nós um questionamento: que tipo de Justiça queremos?

É humanamente impossível que uma pessoa, por maior que seja a sua capacidade de trabalho, consiga analisar com a devida atenção todos os casos que se depara diariamente. Basta observar que aqueles números mencionados acima representam, em média e respectivamente, 50 decisões e 5 sentenças por dia.

Sabemos que os juízes não fazem isso sozinhos. Há toda uma estrutura de funcionários, assessores e estagiários que os auxiliam. Convém não esquecer, porém, que decidir e sentenciar são atos privativos dos magistrados, ainda que possam ser auxiliados nisso por outros profissionais. Isso implica que devem ao menos analisar e assinar tais atos quando são preparados por outras pessoas.

Não bastasse já serem demasiado elevados os números, cada vez mais são traçadas novas metas e objetivos que implicam, no mais das vezes, simplesmente aumentar o número de casos que são decididos num determinado tempo.

Ao expor esses dados, fico imaginando o que se passa na cabeça de um cidadão que espera a solução de um litígio levado ao Judiciário. Talvez se pergunte: “as decisões que o juiz terá de tomar no curso da lide será apenas uma dentre outras cinquenta que ele fará num mesmo dia? E quanto tiver de dar o veredicto, será também um dos cinco ou seus processos que fará naquele dia? Será que conseguirá ler com atenção todos os fatos e fundamentos relevantes do meu caso?”

É possível aumentar a quantidade de decisões sem prejuízo da qualidade. Trata-se de aprimorar a gestão em cada unidade do Poder Judiciário. Pode-se, por exemplo, formar um banco completo de modelos a serem utilizados em cada situação, de modo que os auxiliares do juiz possam se valer disso e otimizar os resultados. Também é possível formar esses funcionários continuamente, instruindo-os nos pontos que são relevantes a serem observados, de modo a ajudarem dar soluções cada vez mais justas e num menor tempo.

Mas confesso que preocupa os “julgamentos por atacado” cada vez mais frequentes entre nós. Lembro-me de um saudoso mestre que tive na Faculdade de Direito, que costumava dizer que uma sentença deve ser como um terno, ou seja, feito sob medida só para aquele caso. No entanto, assim como os trajes são hoje “made in China”, padronizados e de baixa qualidade, parece que as decisões judiciais correm o risco de seguir o mesmo rumo: são pré-fabricadas e pinçadas em arquivos de computador para serem utilizados em muitas situações, ainda que não se amoldem, como a roupa no corpo, às peculiaridades dos litígios em que são utilizadas.

Não é o momento, porém, de saudosismos. A era digital reclama quantidade e baixos custos, se possível sem prejuízo da qualidade. Isso implica a utilização de técnicas de gestão cada vez mais eficientes e eficazes também pelo Poder Público, sob pena de perder relevância e deixar de prestar um serviço com qualidade aos cidadãos, que é a razão da sua existência.

No entanto, aqueles que têm a sublime missão de julgar não podem se render totalmente a esse frenesi que tomou o mundo do trabalho hoje em dia. Devem zelar para aprimorar a produtividade de modo a dar vazão e esse número enorme crescente de litígios. Contudo, não podem olvidar jamais que por detrás das folhas de um processo – ou da tela de um computador, agora nos processos digitais – há homens e mulheres que sofrem com fome e sede de justiça. E essa se constrói, também, com um olhar atento para cada caso.

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