segunda-feira, 30 de março de 2015

A Páscoa num Estado laico

No último domingo os cristãos de todo o mundo celebraram a grande festa da Páscoa. Sempre que nos deparamos com acontecimentos religiosos, em especial aqueles que têm manifestações públicas, deparamo-nos com um tema cada vez mais presente no mundo atual: o laicismo. Com efeito, não faltarão vozes a sustentar que as procissões pelas ruas e praças da cidade não seriam possíveis num Estado laico. Mas será assim mesmo?

Penso que a laicidade do Estado significa um avanço na história da humanidade. Mais ainda, se esse princípio for bem entendido e aplicado, com todas as suas implicações políticas e jurídicas, proporcionará maior aprofundamento da liberdade religiosa, com avanços benéficos para as entidades religiosas, para o Estado e, em especial, para todo cidadão.
Na base desse princípio está a separação entre o Estado e as entidades religiosas. Isso implica que não haverá religião oficial, bem como que não poderá o Poder Público subvenciona-las economicamente, nem tampouco haver ingerência de um na esfera de atuação do outro.
E essa separação é benéfica para ambos. Do lado das igrejas, se não houver religião oficial, nem qualquer coação para se aderir a elas ou a rejeitá-las, poderão subsistir unicamente com a livre adesão voluntária dos seus membros. Da parte do Estado, poderá exercer uma missão que lhe é fundamental, qual seja, o promover o bem comum, com respeito à liberdade dos seus cidadãos.
Mas é inegável que a fé influi decisivamente em todos os aspectos da vida de uma pessoa: na sua visão do mundo, na maneira de se relacionar com os demais, na sua postura diante da família, da vida e, muito especialmente, no seu comportamento perante o próximo. E na medida em que essas convicções são compartilhadas por inúmeras pessoas numa coletividade, é natural que os valores adquiridos a partir da fé vão moldar a cultura, a moda, a política, em suma, o modo de ser da sociedade.
Isso não viola o caráter laico do Estado, conquanto que se saiba valorizar e respeitar as diferenças. O verdadeiro pluralismo que se tenta construir na nossa sociedade não exige de todos uma neutralidade em questões como fé e moral.
E na discussão dos grandes temas, como início da vida humana, dignidade da morte, liberdade de ensino dentre outros, não se pode exigir que se faça uma abstração da fé religiosa, uma espécie de “purificação” das ideias antes de se tomar parte do debate. Nem tampouco há qualquer fundamento para considerar os não crentes ou ateus como mais “iluminados” e, por consequência, mais capacitados a dar a melhor orientação a essas questões.
Na base do Estado laico está a liberdade. No entanto, se isso for desvirtuado para se impor um ateísmo oficial, quase que obrigatório, ou mesmo para se relegar a religião para uma esfera minimamente privada, simplesmente tolerada conquanto que não tenha qualquer consequência ou manifestação pública, então estaremos diante do mais cruel preconceito e escravidão.
Mas como é bom notar que o sopro laicista do Velho Continente, de onde herdamos as mais profundas raízes cristãs, chega sem força até nós! Não resistimos a dizer “vá com Deus” ao despedirmos de uma pessoa que acabamos de conhecer e com quem mantivemos um breve diálogo amistoso. Também não fazemos cerimônia em dizer que rezaremos por uma pessoa doente ou que passa por uma dificuldade. É que Deus não está apenas no preâmbulo da nossa Constituição, onde proclamamos laico o Estado. Está também na alma e na cultura desse povo.
A todos os crentes a não crentes desse País e do mundo, receba os votos de uma Feliz Páscoa!


Nenhum comentário:

Postar um comentário