No último domingo os cristãos de todo o mundo celebraram a grande festa
da Páscoa. Sempre que nos deparamos com acontecimentos religiosos, em especial
aqueles que têm manifestações públicas, deparamo-nos com um tema cada vez mais
presente no mundo atual: o laicismo. Com efeito, não faltarão vozes a sustentar
que as procissões pelas ruas e praças da cidade não seriam possíveis num Estado
laico. Mas será assim mesmo?
Penso que a
laicidade do Estado significa um avanço na história da humanidade. Mais ainda,
se esse princípio for bem entendido e aplicado, com todas as suas implicações
políticas e jurídicas, proporcionará maior aprofundamento da liberdade
religiosa, com avanços benéficos para as entidades religiosas, para o Estado e,
em especial, para todo cidadão.
Na base desse
princípio está a separação entre o Estado e as entidades religiosas. Isso
implica que não haverá religião oficial, bem como que não poderá o Poder
Público subvenciona-las economicamente, nem tampouco haver ingerência de um na
esfera de atuação do outro.
E essa separação
é benéfica para ambos. Do lado das igrejas, se não houver religião oficial, nem
qualquer coação para se aderir a elas ou a rejeitá-las, poderão subsistir
unicamente com a livre adesão voluntária dos seus membros. Da parte do Estado,
poderá exercer uma missão que lhe é fundamental, qual seja, o promover o bem
comum, com respeito à liberdade dos seus cidadãos.
Mas é inegável
que a fé influi decisivamente em todos os aspectos da vida de uma pessoa: na
sua visão do mundo, na maneira de se relacionar com os demais, na sua postura
diante da família, da vida e, muito especialmente, no seu comportamento perante
o próximo. E na medida em que essas convicções são compartilhadas por inúmeras
pessoas numa coletividade, é natural que os valores adquiridos a partir da fé
vão moldar a cultura, a moda, a política, em suma, o modo de ser da sociedade.
Isso não viola o
caráter laico do Estado, conquanto que se saiba valorizar e respeitar as
diferenças. O verdadeiro pluralismo que se tenta construir na nossa sociedade
não exige de todos uma neutralidade em questões como fé e moral.
E na discussão
dos grandes temas, como início da vida humana, dignidade da morte, liberdade de
ensino dentre outros, não se pode exigir que se faça uma abstração da fé
religiosa, uma espécie de “purificação” das ideias antes de se tomar parte do
debate. Nem tampouco há qualquer fundamento para considerar os não crentes ou
ateus como mais “iluminados” e, por consequência, mais capacitados a dar a
melhor orientação a essas questões.
Na base do
Estado laico está a liberdade. No entanto, se isso for desvirtuado para se
impor um ateísmo oficial, quase que obrigatório, ou mesmo para se relegar a
religião para uma esfera minimamente privada, simplesmente tolerada conquanto
que não tenha qualquer consequência ou manifestação pública, então estaremos
diante do mais cruel preconceito e escravidão.
Mas como é bom
notar que o sopro laicista do Velho Continente, de onde herdamos as mais
profundas raízes cristãs, chega sem força até nós! Não resistimos a dizer “vá
com Deus” ao despedirmos de uma pessoa que acabamos de conhecer e com quem
mantivemos um breve diálogo amistoso. Também não fazemos cerimônia em dizer que
rezaremos por uma pessoa doente ou que passa por uma dificuldade. É que Deus
não está apenas no preâmbulo da nossa Constituição, onde proclamamos laico o
Estado. Está também na alma e na cultura desse povo.
A todos os
crentes a não crentes desse País e do mundo, receba os votos de uma Feliz
Páscoa!
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