domingo, 2 de dezembro de 2018

Depois do adeus


Muitas vezes ouvi dizer, em tom de crítica e com forte dose de pessimismo, o seguinte desabafo: “depois que morre todo mundo vira santo!”. Confesso que isso sempre me intrigou. De fato, todo ser humano que passou por essa existência terrena e que tenha atingido a idade da razão teve defeitos, muitos deles talvez os tenham acompanhado até o último instante. Sendo assim, seria justo esse enaltecimento das virtudes após a morte?
Quando alguém muito próximo a nós parte desta vida, talvez consigamos compreender esse fenômeno.
Uma pessoa com quem convivemos proximamente não consegue esconder os seus defeitos e as suas limitações. Na intimidade do lar é impossível manter as máscaras que frequentemente vestimos no ambiente de trabalho ou no convívio social. E então vemos os demais e somos vistos por eles com maior claridade, tal como se é.
Por outro lado, porém, não raras vezes, somos implacáveis em reconhecer os erros dos outros, ao mesmo tempo em que mantemos uma incrível incapacidade de reconhecer os próprios defeitos e limitações.
Mas após a morte, com a dor da separação, é muito frequente que ocorra o inverso. Ganhamos luzes para ver quanto bem aquela pessoa nos proporcionava. Uma pequena comparação – deveras imperfeita – talvez nos ajude a compreender. Quando estamos num edifício jamais reparamos numa imponente barra de concreto que lhe dá sustentação. No entanto, se ela se romper e o prédio vier abaixo, então poderemos lhe atribuir o devido valor.
Muitas vezes agimos assim com as pessoas que nos são próximas. Não sabemos valorizar os pequenos e grandes serviços que nos prestam, o quanto se desgastam no dia-a-dia pelos demais, nem o valor que tem a sua simples presença amiga e acolhedora. Com a sua partida, esse vazio parece emitir um grito silencioso que nos toca a alma: “meu Deus, como ele era bom!”.
Há duas semanas partiu desta vida terrena o meu pai. Um dos maiores consolos que ouvi – dentre as inúmeras mensagens de condolência – foi considerar que Deus age como um bom jardineiro, que colhe para o seu jardim as melhores flores, levando-as para junto de Si no melhor momento, naquele em que cada alma atingiu a sua plenitude.
E quando Deus chama alguém para si, de certo modo empresta Seus olhos para que nós, que permanecemos nesse vale de lágrimas, possamos contemplar aquela alma que transpassa os umbrais da eternidade, tal como Ele a vê, em sua infinita misericórdia.
É evidente que tal se dá de maneira imperfeita – porque somos deveras imperfeitos – e também experimentamos isso, em maior ou menor medida, conforme as nossas disposições em obter a pureza de coração necessária para obtermos de Deus a sua infinita misericórdia. Mas quão saboroso é comtemplar as obras benfazejas daquelas pessoas que amamos, que agora reluzem com a sua partida para a eternidade!
Mas... E aqueles defeitos que em vida nos pareciam inegáveis? Ora, Deus os apagou com a sua infinita misericórdia! Bendito perdão que varre todos os erros cometidos, inclusive da nossa memória, se buscamos imitar o amor misericordioso de Cristo.
Meu pai foi um homem bom. Quando alguém lhe compartilhava um problema ou manifestava uma preocupação, imediatamente ele tomava aquilo como próprio. Sabia sofrer com quem sofre, chorar com quem chora. Mas também sabia sorrir com quem sorria. Soube amar sem esperar retorno, doar-se para aquelas e aqueles que sabia que não poderiam lhe retribuir nesta vida.
Não é verdade que todo mundo que morre vira santo. Mas é inegável que as virtudes daqueles que partem para Deus reluzem com a sua partida, dentre outros motivos para nos alentar a lutar. Meu pai deixou e deixará muita saudade. Mas o Pai do Céu, de tão bom que é, jamais retirará das nossas mentes e do nosso coração a bondade que ele nos legou, afinal, foi com ela que ganhou a eternidade.
Pai, muito obrigado!

5 comentários:

  1. Sabia sofrer com quem sofre, chorar com quem chora. Mas também sabia sorrir com quem sorria. Soube amar sem esperar retorno, doar-se para aquelas e aqueles que sabia que não poderiam lhe retribuir nesta vida.
    Grande verdade. Esteve ao meu lado quando precisei de apoio espiritual. Sou eternamente grato.

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  2. Meu querido ñ podia esperar homenagem menos bela do que essa...."Obrigada Fábio"....

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  3. Certamente um homem bom, que com serenidade e um sorriso confortante sabia agradar e servir, com poucas vezes em que tivemos uma convivência durante o Caminho da FÉ de bike, sendo apoiado por qualquer necessidade ou ao menos uma palavra de estímulo, estava lá o Seo Orlando para nos motivar e oferecer uma laranja, e já descascada e com o corte da "tampinha", que maravilha!! Deixará boas lembranças!

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  4. Palavras lindas e verdadeiras. Todos os que tivemos oportunidade de conhecê lo sabenos o quão valioso e bondoso era, e por isso estará sempre dentro de cada um de nós, e os defeitos...defeitos? Quem não os tem?
    Um abraço grande a todos vocês, com mto amor e carinho da japonesa que adora essa familia!

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  5. Convivi pouco tempo com o Sr. Orlando, mas foi possível constatar o apreço e atenção que ele dedicava aos que estavam ao seu lado. Certeza eu tenho que você Fábio, herdou de seu pai a bondade e a humanidade necessárias para fazer a vida daqueles que estão proximos, um pouco mais alegre.

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